Não consultes
médico
Textos-fonte:
Obra completa de Machado de Assis.
Rio de Janeiro: Nova Aguilar, vol II, 1994.
Publicado
originalmente
Rio de
Janeiro: Editora Garnier, 1899
PERSONAGENS
D. Carlota
D. Adelaide
Cavalcante
Magalhães
CENA I
Magalhães, D. Adelaide
(Magalhães lê um livro. D.
Adelaide folheia um livro de gravuras)
MAGALHÃES — Esta gente não terá vindo?
D. ADELAIDE — Parece que não. Já
saíram há um bom pedaço; felizmente o dia está fresco. Titia estava tão
contente ao almoço! E ontem? Você viu que risadas que ela dava, ao jantar,
ouvindo o Dr. Cavalcante? E o Cavalcante sério. Meu Deus, que homem triste! que cara de defunto!
MAGALHÃES — Coitado do Cavalcante!
Mas que quererá ela comigo? Falou-me em um obséquio.
D. ADELAIDE — Sei o que é.
MAGALHÃES — Que é?
D. ADELAIDE — Por ora é segredo.
Titia quer que levemos Carlota conosco.
MAGALHÃES — Para a Grécia?
D. ADELAIDE — Sim, para a Grécia.
MAGALHÃES — Talvez ela pense que a
Grécia é
D. ADELAIDE — É só algum tempo.
Carlota gostava muito de um tal Rodrigues, capitão de
engenharia, que casou com uma viúva espanhola. Sofreu muito, e ainda agora anda meia triste; titia diz que há de curá-la.
MAGALHÃES (rindo) — É a
mania dela.
D. ADELAIDE (rindo) — Só
cura moléstias morais.
MAGALHÃES — A verdade é que nos
curou; mas, por muito que lhe paguemos em gratidão, fala-nos sempre da nossa
antiga moléstia. "Como vão os meus doentezinhos? Não é verdade que estão
curados?"
D. ADELAIDE — Pois falemos-lhe nós da cura, para lhe dar gosto. Agora quer
curar a filha.
MAGALHÃES — Do mesmo modo?
D. ADELAIDE — Por ora não. Quer mandá-la
à Grécia para que ela esqueça o capitão de engenharia.
MAGALHÃES — Mas, em qualquer parte
se esquece um capitão de engenharia.
D. ADELAIDE — Titia pensa que a
visita das ruínas e dos costumes diferentes cura mais depressa. Carlota está
com dezoito para dezenove anos; titia não a quer casar antes dos vinte.
Desconfio que já traz um noivo em mente, um moço que
não é feio, mas tem o olhar espantado.
MAGALHÃES — É um desarranjo para
nós; mas, enfim, pode ser que lhe achemos lá na Grécia algum descendente de
Alcibíades que a preserve do olhar espantado.
D. ADELAIDE — Ouço passos. Há de
ser titia...
MAGALHÃES — Justamente!
Continuemos a estudar a Grécia. (Sentam-se outra vez, Magalhães lendo,
D. Adelaide folheando o livro de vistas).
CENA II
Os mesmos e D. Leocádia
D. LEOCÁDIA (para à porta, desce pé
ante pé, e mete a cabeça entre os dois) — Como vão os meus doentezinhos?
Não é verdade que estão curados?
MAGALHÃES (á parte) — É isto todos os dias.
D. LEOCÁDIA — Agora estudam a
Grécia; fazem muito bem. O país do casamento é que vocês não precisaram estudar.
D. ADELAIDE — A senhora foi a
nossa geografia, foi quem nos deu as primeiras lições.
D. LEOCÁDIA — Não diga lições,
diga remédios. Eu sou doutora, eu sou médica. Este (indicando Magalhães), quando
voltou de Guatemala, tinha um ar esquisito; perguntei-lhe se queria ser
deputado, disse-me que não; observei-lhe o nariz, e vi que era um triste nariz
solitário...
MAGALHÃES — Já me disse isto cem
vezes.
D. LEOCÁDIA (voltando-se para ele
e continuando) — Esta (designando Adelaide) andava hipocondríaca. O
médico da casa receitava pílulas, cápsulas, uma porção de tolices que ela não
tomava porque eu não deixava; o médico devia ser eu.
D. ADELAIDE — Foi uma felicidade.
Que é que se ganha em engolir pílulas?
D. LEOCÁDIA — Apanham-se moléstias.
D. ADELAIDE — Uma tarde, fitando
eu os olhos de Magalhães...
D. LEOCÁDIA — Perdão, o nariz.
D. ADELAIDE — Vá lá. A senhora
disse-me que ele tinha o nariz bonito, mas muito solitário. Não entendi; dois
dias depois, perguntou-me se queria casar, eu não sei que disse, e acabei
casando.
D. LEOCÁDIA — Não é verdade que
estão curados?
MAGALHÃES — Perfeitamente.
D. LEOCÁDIA — A propósito, como irá
o Dr. Cavalcante? Que esquisitão! Disse-me ontem que a coisa mais alegre do
mundo era um cemitério. Perguntei-lhe se gostava aqui da Tijuca, respondeu-me
que sim, e que o Rio de Janeiro era uma grande cidade. "É a segunda vez
que a vejo, disse ele; eu sou do Norte. É uma grande cidade, José Bonifácio é
um grande homem, a rua do Ouvidor um poema, o chafariz
da Carioca um belo chafariz, o Corcovado, o gigante de pedra, Gonçalves Dias,
os Timbiras, o Maranhão..."
Embrulhava tudo a tal ponto que me fez rir. Ele é doido?
MAGALHÃES — Não.
D. LEOCÁDIA — A principio, cuidei
que era. Mas o melhor foi quando se serviu o peru. Perguntei-lhe que tal achava
o peru. Ficou pálido, deixou cair o garfo, fechou os olhos e não me respondeu.
Eu ia chamar a atenção de vocês, quando ele abriu os olhos e disse com voz
surda: "D. Leocádia, eu não conheço o Peru.."
Eu, espantada, perguntei: "Pois não está comendo?..." "Não falo
desta pobre ave; falo-lhe da república".
MAGALHÃES — Pois conhece a
república.
D. LEOCÁDIA — Então mentiu.
MAGALHÃES — Não, porque nunca lá
foi.
D. LEOCÁDIA (a D. Adelaide) — Mau! seu marido parece que também está virando o
juízo. (A Magalhães) Conhece então o Peru, como vocês estão
conhecendo a Grécia... pelos livros.
MAGALHÃES — Também não.
D. LEOCÁDIA — Pelos homens?.
MAGALHÃES — Não, senhora.
D. LEOCÁDIA — Então pelas mulheres?
MAGALHÃES — Nem pelas mulheres.
D. LEOCÁDIA — Por uma mulher?
MAGALHÃES — Por uma mocinha, filha
do ministro do Peru
D. LEOCÁDIA (senta-se) — Ouçamos
a história. É curta?
MAGALHÃES — Quatro palavras.
Cavalcante estava em comissão do nosso governo e freqüentava o corpo
diplomático, onde era muito bem visto. Realmente, não se podia achar criatura
mais dada, mais expansiva, mais estimável. Um dia começou a gostar da peruana.
A peruana era bela e alta, com uns olhos admiráveis. Cavalcante, dentro de
pouco, estava doido por ela, não pensava em mais nada, não falava de outra
pessoa. Quando a via ficava estático. Se ela gostava dele, não sei; é certo que
o animava e já se falava
D. LEOCÁDIA — Ele ficou
desconsolado, naturalmente.
MAGALHÃES — Ah! não me fale! Quis matar-se; pude impedir esse ato de desespero, e o desespero
desfez-se
D. LEOCÁDIA — Quer que lhe diga?
Já ontem suspeitei que era negócio de amores;
achei-lhe um riso amargo... Terá bom coração?
MAGALHÃES — Coração de ouro.
D. LEOCÁDIA — Espírito elevado?
MAGALHÃES — Sim, senhora.
D. LEOCÁDIA — Espírito elevado,
coração de ouro, saudades... Está entendido.
MAGALHÃES — Entendido o que?
D. LEOCÁDIA — Vou curar o seu
amigo Cavalcante. De que é que vocês se espantam?
D. ADELAIDE — De nada.
MAGALHÃES — De nada, mas...
D. LEOCÁDIA — Mas que?
MAGALHÃES — Parece-me...
D. LEOCÁDIA — Não parece nada; vocês
são uns ingratos. Pois se confessam que eu curei o nariz de um e a hipocondria
do outro, como é que põem em duvida que eu possa curar a maluquice do
Cavalcante? Vou curá-lo. Ele virá hoje?
D. ADELAIDE — Não vem todos os dias; às vezes passa-se uma semana.
MAGALHÃES — Mora perto daqui; vou
escrever-lhe que venha e, quando chegar, dir-lhe-ei que a senhora é o maior
médico do século; cura o moral... Mas, minha tia, devo avisá-la de uma coisa: não lhe fale em casamento.
D. LEOCÁDIA — Oh! não!
MAGALHÃES — Fica furioso quando
lhe falam em casamento; responde que só se há de casar com a morte... A senhora
exponha-lhe...
D. LEOCÁDIA — Ora, meu sobrinho,
vá ensinar o padre-nosso ao vigário. Eu sei o que ele precisa, mas quero
estudar primeiro o doente e a doença. Já volto.
MAGALHÃES — Não lhe diga que eu é que lhe contei o
caso da peruana...
D. LEOCÁDIA — Pois se eu mesma
adivinhei que ele sofria do coração. (Sai; entra Carlota).
CENA III
Magalhães, D. Adelaide, D. Carlota
D. ADELAIDE — Bravo! está mais corada agora!
D. CARLOTA — Foi do passeio.
D. ADELAIDE — De que é que você
gosta mais, da Tijuca ou da cidade?
D. CARLOTA — Eu por mim, ficava
metida aqui na Tijuca.
MAGALHÃES — Não creio. Sem bailes? sem teatro lírico?
D. CARLOTA — Os bailes cansam, e
não temos agora teatro lírico.
MAGALHÃES — Mas, em suma, aqui ou
na cidade, o que é preciso é que você ria; esse ar tristonho faz-lhe a cara
feia.
D. CARLOTA — Mas eu rio. Ainda
agora não pude deixar de rir, vendo o Dr. Cavalcante.
MAGALHÃES — Por
que?
D. CARLOTA — Ele passava ao longe,
a cavalo, tão distraído que levava a cabeça caída entre as orelhas do animal;
ri da posição, mas lembrei-me que podia cair e ferir-se, e estremeci toda.
MAGALHÃES — Mas não caiu?
D. CARLOTA — Não.
D. ADELAIDE — Titia viu também?
D. CARLOTA — Mamãe ia-me falando
da Grécia, do céu da Grécia, dos monumentos da Grécia, do rei da Grécia; toda
ela é Grécia, fala como se tivesse estado na Grécia.
D. ADELAIDE — Você quer ir conosco
para lá?
D. CARLOTA — Mamãe não há de
querer.
D. ADELAIDE — Talvez queira. (Mostrando-lhe as gravuras do livro). Olhe que bonitas vistas! Isto são ruínas.
Aqui está uma cena de costumes. Olhe esta rapariga com um pote...
MAGALHÃES — (à janela) —
Cavalcante aí vem.
D. CARLOTA — Não quero vê-lo.
D. ADELAIDE — Por
que?
D. CARLOTA — Agora que passou o
medo, posso rir-me lembrando a figura que ele fazia.
D. ADELAIDE — Eu também vou. (Saem as duas; Cavalcante aparece à porta. Magalhães deixa
a janela).
CENA IV
Cavalcante, Magalhães
MAGALHÃES — Entra. Como passaste a
noite?
CAVALCANTE — Bem. Dei um belo
passeio; fui até ao Vaticano e vi o papa. (Magalhães olha espantado). Não
te assustes, não estou doido. Eis o que foi: o meu cavalo ia para um lado e o
meu espírito para outro. Eu pensava em fazer-me frade; então todas as minhas
idéias vestiram-se de burel, e entrei a ver
sobrepelizes e tochas; enfim, cheguei a Roma, apresentei-me à porta do Vaticano
e pedi para ver o papa. No momento
MAGALHÃES — Foi então que a nossa
prima Carlota deu contigo ao longe.
CAVALCANTE — Também eu a vi, e de
vexado piquei o cavalo.
MAGALHÃES — Mas, então ainda não
perdeste essa idéia de ser frade?
CAVALCANTE — Não.
MAGALHÃES — Que paixão romanesca!
CAVALCANTE — Não, Magalhães;
reconheço agora o que vale o mundo com as suas perfídias e tempestades. Quero
achar um abrigo contra elas; esse abrigo é o claustro. Não sairei nunca da
minha cela e buscarei esquecer diante do altar...
MAGALHÃES — Olha que vais cair do
cavalo!
CAVALCANTE — Não te rias, meu
amigo!
MAGALHÃES — Não; quero só acordar-te.
Realmente, estás ficando maluco. Não penses mais em semelhante moça. Há no
mundo milhares e milhares de moças iguais à bela Dolores.
CAVALCANTE — Milhares e milhares?
Mais uma razão para que eu me esconda em um convento. Mas é engano: há só uma,
e basta.
MAGALHÃES — Bem; não há remédio
senão entregar-te à minha tia.
CAVALCANTE — À tua tia?
MAGALHÃES — Minha tia crê que tu
deves padecer de alguma doença moral — e adivinhou — e fala de curar-te. Não
sei se sabes que ela vive na persuasão de que cura todas as enfermidades morais.
CAVALCANTE — Oh! eu sou incurável!
MAGALHÃES — Por isso mesmo deves
sujeitar-te aos seus remédios. Se te não curar, dar-te-ia alguma distração, e é
o que eu quero. (Abre a charuteira que está vazia). Olha, espera
aqui, lê algum livro; eu vou buscar charutos. (Sai; Cavalcante pega
num livro e senta-se).
CENA V
Cavalcante, D. Carlota, aparecendo
ao fundo.
D. CARLOTA — Primo... (Vendo
Cavalcante) Ah! perdão!
CAVALCANTE (erguendo-se) — Perdão
de que!
D. CARLOTA — Cuidei que meu primo
estava aqui; vim buscar um livro de gravuras de prima Adelaide; está aqui...
CAVALCANTE — A senhora viu-me
passar a cavalo, há uma hora, numa posição incômoda e inexplicável.
D. CARLOTA — Perdão, mas...
CAVALCANTE — Quero dizer que eu
levava na cabeça uma idéia séria, um negócio grave.
D. CARLOTA — Creio.
CAVALCANTE — Deus queira que nunca
possa entender o que era! Basta crer. Foi a distração
que me deu aquela postura inexplicável. Na minha família quase todos são distraídos.
Um dos meus tios morreu na guerra do Paraguai por causa de uma distração; era
capitão de engenharia.
D. CARLOTA (perturbada) — Oh! não me fale!
CAVALCANTE — Por
que? Não pode tê-lo conhecido.
D. CARLOTA — Não, senhor;
desculpe-me, sou um pouco tonta. Vou levar o livro à minha prima.
CAVALCANTE — Peço-lhe perdão,
mas...
D. CARLOTA — Passe bem. (Vai à
porta).
CAVALCANTE — Mas, eu desejava
saber...
D. CARLOTA — Não, não, perdoe-me. (Sai.).
CENA VI
CAVALCANTE (só) — Não compreendo:
não sei se a ofendi. Falei no tio João Pedro, que morreu no Paraguai, antes
dela nascer...
CENA VII
Cavalcante, D. Leocádia
D. LEOCÁDIA (ao fundo, à
parte) Está pensando (Desce). Bom dia, Dr. Cavalcante!
CAVALCANTE — Como passou, minha senhora?
D. LEOCÁDIA — Bem, obrigada. Então
meu sobrinho deixou-o aqui só?
CAVALCANTE — Foi buscar charutos,
já volta.
D. LEOCÁDIA — Os senhores são
muito amigos.
CAVALCANTE Somos como
dois irmãos.
D. LEOCÁDIA — Magalhães é um coração
de ouro e o senhor parece-me outro. Acho-lhe só um defeito, doutor...
Desculpe-me esta franqueza de velha; acho que o senhor fala trocado.
CAVALCANTE — Disse-lhe ontem
algumas tolices, não?
D. LEOCÁDIA — Tolices, é muito; umas palavras sem sentido.
CAVALCANTE — Sem sentido,
insensatas, vem a dar no mesmo.
D. LEOCÁDIA (pegando-lhe nas mãos) — Olhe bem para
mim. (Pausa). Suspire. (Cavalcante suspira). O senhor está
doente: não negue que está doente — moralmente, entenda-se; não negue! (Solta-lhe as mãos).
CAVALCANTE — Negar seria mentir.
Sim, minha senhora, confesso que tive um grandíssimo desgosto
D. LEOCÁDIA — Jogo de praça?
CAVALCANTE — Não, senhora.
D. LEOCÁDIA — Ambições políticas
mal-logradas?
CAVALCANTE — Não conheço política.
D. LEOCÁDIA — Algum livro mal
recebido pela imprensa?
CAVALCANTE — Só escrevo cartas
particulares.
D. LEOCÁDIA — Não atino. Diga
francamente; eu sou médico de enfermidades morais e posso curá-lo. Ao médico
diz-se tudo. Ande, fale, conte-me tudo, tudo, tudo. Não se trata de amores?...
CAVALCANTE (suspirando) — Trata-se
justamente de amores.
D. LEOCÁDIA — Paixão grande?
CAVALCANTE — Oh! imensa!
D. LEOCÁDIA — Não quero saber o
nome da pessoa, não é preciso. Naturalmente bonita?
CAVALCANTE — Como um anjo!
D. LEOCÁDIA. — O coração também
era de anjo?
CAVALCANTE — Pode ser, mas de anjo
mau.
D. LEOCÁDIA — Uma ingrata...
CAVALCANTE — Uma perversa!
D. LEOCÁDIA — Diabólica...
CAVALCANTE — Sem entranhas!
D. LEOCÁDIA — Vê que estou
adivinhando. Console-se; uma criatura dessas não acha casamento.
CAVALCANTE — Já achou!
D. LEOCÁDIA — Já?
CAVALCANTE — Casou, minha senhora; teve a crueldade de casar com um primo.
D. LEOCÁDIA — Os primos quase que não
nascem para outra coisa. Diga-me, não procurou esquecer o mal nas folias
próprias de rapazes?
CAVALCANTE — Oh! não! Meu único prazer é pensar nela.
D. LEOCÁDIA — Desgraçado! Assim
nunca há de sarar.
CAVALCANTE — Vou tratar de
esquecê-la.
D. LEOCÁDIA — De que modo?
CAVALCANTE — De um modo velho,
alguns dizem que já obsoleto e arcaico. Penso em fazer-me frade. Há de haver em
algum recanto do mundo um claustro em que não penetre sol nem lua.
D. LEOCÁDIA — Que ilusão! Lá mesmo
achará a sua namorada. Há de vê-la
nas paredes da cela, no teto, no
chão, nas folhas do breviário. O silêncio far-se-á boca da moça, a solidão será
o seu corpo.
CAVALCANTE — Então estou perdido.
Onde acharei paz e esquecimento?
D. LEOCÁDIA — Pode ser frade sem
ficar no convento. No seu caso o remédio naturalmente indicado é ir pregar... na China, por exemplo. Vá pregar aos infiéis na China.
Paredes de convento são mais perigosas que olhos de chinesas. Ande, vá pregar
na China. No fim de dez anos está curado. Volte, meta-se no convento e não
achará lá o diabo.
CAVALCANTE — Está certa que na
China...
D. LEOCÁDIA — Certíssima.
CAVALCANTE — O seu remédio é muito
amargo! Por que é que me não manda antes para o Egito? Também é país de infiéis.
D. LEOCÁDIA — Não serve; é a terra
daquela rainha... Como se chama?
CAVALCANTE — Cleópatra? Morreu há
tantos séculos!
D. LEOCÁDIA — Meu marido disse que
era uma desmiolada.
CAVALCANTE — Seu marido era, talvez,
um erudito. Minha senhora, não se aprende amor nos livros velhos, mas nos olhos
bonitos; por isso, estou certo de que ele adorava a V. Excia.
D. LEOCÁDIA — Ah! ah! Já o doente começa a adular o médico. Não, senhor, há de
ir à China. Lá há mais livros velhos que olhos bonitos. Ou não tem confiança em
mim?
CAVALCANTE — Oh! tenho; tenho. Mas ao doente é permitido fazer uma careta
antes de engolir a pílula. Obedeço; vou para a China. Dez anos, não?
D. LEOCÁDIA (levanta-se) — Dez
ou quinze, se quiser; mas antes dos quinze está curado.
CAVALCANTE — Vou.
D. LEOCÁDIA — Muito bem. A sua
doença é tal que só com remédios fortes. Vá; dez anos passam depressa.
CAVALCANTE — Obrigado, minha
senhora.
D. LEOCÁDIA — Até logo.
CAVALCANTE — Não, minha senhora, vou já.
D. LEOCÁDIA — Já para a China!
CAVALCANTE — Vou arranjar as malas
e amanhã embarco para a Europa; vou a Roma, depois sigo imediatamente para a
China... Até daqui a dez anos. (Estende-lhe a mão).
D. LEOCÁDIA — Fique ainda uns dias...
CAVALCANTE — Não posso.
D. LEOCÁDIA — Gosto de ver essa
pressa; mas, enfim, pode esperar ainda uma semana.
CAVALCANTE — Não, não devo
esperar. Quero ir às pílulas quanto antes; é preciso obedecer religiosamente ao
médico.
D. LEOCÁDIA — Como eu gosto de ver
um doente assim! O senhor tem fé no médico. O pior é que daqui a pouco, talvez,
não se lembre dele.
CAVALCANTE — Oh! não! Hei de lembrar-me sempre, sempre!
D. LEOCÁDIA — No fim de dois anos
escreva-me; informe-me sobre o seu estado e talvez eu o faça voltar. Mas, não
minta, olhe lá; se já tiver esquecido a namorada, consentirei que volte.
CAVALCANTE — Obrigado. Vou ter com
seu sobrinho e depois vou arranjar as malas.
D. LEOCÁDIA — Então não volta mais
a esta casa?
CAVALCANTE — Virei daqui a pouco,
uma visita de dez minutos, e depois desço, vou tomar passagem no paquete de
amanhã.
D. LEOCÁDIA — Jante, ao menos,
conosco.
CAVALCANTE — Janto na cidade.
D. LEOCÁDIA — Bem, adeus;
guardemos o nosso segredo. Adeus, Dr. Cavalcante. Creia-me: o senhor merece
estar doente. Há pessoas que adoecem sem merecimento nenhum; ao contrário, não
merecem outra coisa mais que uma saúde de ferro. O senhor nasceu para adoecer;
que obediência ao médico! que facilidade em engolir
todas as nossas pílulas! Adeus!
CAVALCANTE — Adeus, D. Leocádia. (Sai
pelo fundo).
CENA VIII
D. Leocádia, D. Adelaide
D. LEOCÁDIA — Com dois anos de
China está curado. (Vendo entrar Adelaide). O Dr. Cavalcante
saiu agora mesmo. Ouviste o meu exame médico?
D. ADELAIDE — Não. Que lhe pareceu?
D. LEOCÁDIA — Cura-se.
D. ADELAIDE — De que modo?
D. LEOCÁDIA — Não posso dizer; é
segredo profissional.
D. ADELAIDE — Em quantas semanas
fica bom?
D. LEOCÁDIA — Em dez anos.
D. ADELAIDE — Misericórdia! Dez
anos!
D. LEOCÁDIA — Talvez dois; é moço,
e robusto, a natureza ajudará a medicina, conquanto esteja muito atacado. Aí
vem teu marido.
CENA IX
Os mesmos, Magalhães.
MAGALHÃES (a D. Leocádia) — Cavalcante
disse-me que vai embora; eu vim correndo saber o que é que lhe receitou.
D. LEOCÁDIA — Receitei-lhe um
remédio enérgico, mas que há de salva-lo. Não são consolações de cacaracá. Coitado! Sofre muito, está gravemente doente;
mas, descansem, meus filhos, juro-lhes, à fé do meu
grau, que hei de curá-lo. Tudo é que me obedeça, e este obedece. Oh! aquele crê
CENA X
Magalhães, D. Adelaide
MAGALHÃES — Tinha vontade de saber
D. ADELAIDE — Não falemos disso.
MAGALHÃES — Sabes o que foi?
D. ADELAIDE — Não; mas titia
disse-me que a cura se fará em dez anos. (Espanto de Magalhães). Sim, dez anos; talvez dois,
mas a cura certa é em dez anos.
MAGALHÃES (atordoado) — Dez anos !
D. ADELAIDE — Ou dois!
MAGALHÃES — Ou dois?
D. ADELAIDE — Ou dez.
MAGALHÃES — Dez anos! Mas é
impossível! Quis brincar contigo. Ninguém leva dez anos a sarar; ou sara antes
ou morre.
D. ADELAIDE — Talvez ela pense que
a melhor cura é a morte.
MAGALHÃES — Talvez. Dez anos!
D. ADELAIDE — Ou dois; não
esqueças.
MAGALHÃES — Sim, ou dois; dois
anos é muito, mas, há casos... Vou ter com ele.
D. ADELAIDE — Se titia quis
enganar a gente, não é bom que os estranhos saibam. Vamos falar com ela, talvez
que, pedindo muito, ela diga a verdade. Não leves essa cara
assustada; é preciso falar-lhe naturalmente, com indiferença.
MAGALHÃES — Pois vamos.
D. ADELAIDE — Pensando bem, é melhor
que eu vá só; entre mulheres...
MAGALHÃES — Não; ela continuará a
zombar de ti; vamos juntos, estou sobre brasas.
D. ADELAIDE — Vamos.
MAGALHÃES — Dez anos!
D. ADELAIDE — Ou dois. (Saem
pelo fundo).
CENA XI
D. CARLOTA (entrando pela
direita) — Ninguém! Afinal foram-se! Esta casa anda hoje cheia de
mistérios. Há um quarto de hora quis vir aqui, e prima Adelaide disse-me que
não, que se tratavam aqui negócios graves. Pouco depois levantou-se e saiu; mas antes disso contou-me que mamãe é que quer que eu vá para a Grécia.
A verdade é que todos me falam de Atenas, de ruínas, de danças gregas, de
Acrópole... Creio que é Acrópole que se diz. (Pega no livro que
Magalhães estivera lendo, senta-se, abre e lê). "Entre os provérbios gregos, há um muito
fino: Não consultes medico; consulta alguém que tenha estado doente". Não
sei que possa ser. (Continua a ler em voz baixa).
CENA XII
D. Carlota, Cavalcante
CAVALCANTE (ao fundo) — D.
Leocádia! (Entra e fala de longe a Carlota, que está de costas). Quando
eu ia a sair, lembrei-me.
D. CARLOTA — Quem é? (Levanta-se). Ah! Doutor!
CAVALCANTE — Desculpe-me, vinha
falar à senhora sua mãe para lhe pedir um favor.
D. CARLOTA — Vou chamá-la.
CAVALCANTE — Não se incomode;
falar-lhe-ei logo. Saberá por acaso se a senhora sua mãe conhece algum cardeal
em Roma?
D. CARLOTA — Não sei, não, senhor.
CAVALCANTE — Queria pedir-lhe uma
carta de apresentação; voltarei mais tarde. (Corteja, sai e para). Ah! aproveito a ocasião para lhe perguntar, ainda uma vez, em
que é que a ofendi?
D. CARLOTA — O senhor nunca me
ofendeu.
CAVALCANTE — Certamente que não;
mas ainda há pouco, falando-lhe de um tio meu, que morreu no Paraguai, tio João
Pedro, capitão de engenharia...
D. CARLOTA (atalhando) — Por
que é que o senhor quer ser apresentado a um cardeal?
CAVALCANTE — Bem respondido!
Confesso que fui indiscreto com a minha pergunta. Já há de saber que eu tenho
distrações repentinas, e quando não caio no ridículo, como hoje de manhã, caio
na indiscrição. São segredos mais graves que os seus. É feliz, é bonita, pode
contar com o futuro, enquanto que eu... Mas eu não quero aborrecê-la. O meu
caso há de andar em romances. (Indicando o livro que ela tem na mão).
D. CARLOTA — Não é romance (Dá-lhe
o livro).
CAVALCANTE — Não? (Lê o
titulo). Como? Está estudando a Grécia?
D. CARLOTA — Estou.
CAVALCANTE — Vai para lá?
D. CARLOTA — Vou, com prima
Adelaide.
CAVALCANTE — Viagem de recreio, ou
vai tratar-se?
D. CARLOTA — Deixe-me ir chamar
mamãe.
CAVALCANTE — Perdoe-me ainda uma
vez; fui indiscreto, retiro-me. (Dá alguns passos para sair).
D. CARLOTA — Doutor! (Cavalcante
pára). Não se zangue comigo; sou um pouco tonta, o senhor é bom.
CAVALCANTE (descendo) — Não
diga que sou bom; os infelizes são apenas infelizes. A bondade é toda sua.
Há poucos dias que nos conhecemos e já nos zangamos, por minha causa. Não
proteste; a causa é a minha moléstia.
D. CARLOTA — O senhor está doente?
CAVALCANTE — Mortalmente.
D. CARLOTA — Não diga isso!
CAVALCANTE — Ou gravemente, se
prefere.
D. CARLOTA — Ainda é muito. E que
moléstia é?
CAVALCANTE Quanto ao nome,
não há acordo: loucura, espírito romanesco e muitos outros. Alguns dizem que é
amor. Olhe, está outra vez aborrecida comigo!
D. CARLOTA Oh! não, não, não. (Procurando rir). É o contrario; estou
até muito alegre. Diz-me então que está doente, louco...
CAVALCANTE — Louco de amor, é o
que alguns dizem. Os autores divergem. Eu prefiro amor, por ser mais bonito,
mas a moléstia, qualquer que seja a causa, é cruel e terrível. Não pode
compreender este imbróglio; peça a Deus que a conserve nessa boa e feliz
ignorância. Por que é que me está olhando assim? Quer talvez saber...
D. CARLOTA — Não, não quero saber
nada.
CAVALCANTE — Não é crime ser
curiosa.
D. CARLOTA — Seja ou não loucura, não quero ouvir histórias como a sua.
CAVALCANTE — Já sabe qual é?
D. CARLOTA — Não.
CAVALCANTE — Não tenho direito de
interrogá-la; mas há já dez minutos que estamos neste gabinete falando de
coisas bem esquisitas para duas pessoas que apenas se conhecem.
D. CARLOTA (estendendo-lhe a mão) — Até logo.
CAVALCANTE — A sua mão está fria.
Não se vá ainda embora; hão de achá-la agitada. Sossegue um pouco, sente-se. (Carlota
senta-se). Eu retiro-me.
D. CARLOTA — Passe bem.
CAVALCANTE — Até logo.
D. CARLOTA — Volta logo?
CAVALCANTE — Não, não volto mais;
queria enganá-la.
D. CARLOTA — Enganar-me por que?
CAVALCANTE — Porque já fui enganado
uma vez. Ouça-me: são duas palavras. Eu gostava muito de uma moça que tinha a
sua beleza, e ela casou com outro. Eis a minha moléstia.
D. CARLOTA (erguendo-se) — Como
assim?
CAVALCANTE — É verdade; casou com
outro.
D. CARLOTA (indignada) — Que
ação vil!
CAVALCANTE — Não acha?
D. CARLOTA — E ela gostava do
senhor?
CAVALCANTE — Aparentemente; mas,
depois vi que eu não era mais que um passatempo.
D. CARLOTA (animando-se aos
poucos) — Um passatempo! Fazia-lhe juramentos, dizia-lhe que o senhor era a
sua única ambição, o seu verdadeiro Deus, parecia orgulhosa em contemplá-lo por
horas infinitas, dizia-lhe tudo, tudo, umas coisas que pareciam cair do céu, e
suspirava...
CAVALCANTE — Sim, suspirava, mas...
D. CARLOTA (muito animada) — Um
dia abandonou-o, sem uma só palavra de saudade nem de consolação, fugiu e foi
casar com uma viúva espanhola!
CAVALCANTE (espantado) — Uma
viúva espanhola!
D. CARLOTA — Ah! tem muita razão em estar doente!
CAVALCANTE — Mas que viúva
espanhola é essa de que me fala?
D. CARLOTA (caindo em si) — Eu
falei-lhe de uma viúva espanhola?
CAVALCANTE — Falou.
D. CARLOTA — Foi engano... Adeus, Sr. doutor.
CAVALCANTE — Espere um instante.
Creio que me compreendeu. Falou com tal paixão que os médicos não têm. Oh! como eu execro os médicos! principalmente os que me mandam para a China.
D. CARLOTA — O senhor vai para a
China?
CAVALCANTE — Vou; mas não diga
nada! Foi sua mãe que me deu essa receita.
D. CARLOTA — A China é muito longe!
CAVALCANTE — Creio até que está
fora do mundo.
D. CARLOTA — Tão longe por que?
CAVALCANTE — Boa palavra essa.
Sim, por que ir à China, se a gente pode sarar na Grécia? Dizem que a Grécia é
muito eficaz para estas feridas; há quem afirme que não há melhor para as que são
feitas pelos capitães de engenharia. Quanto tempo vai lá passar?
D. CARLOTA — Não sei. Um ano,
talvez.
CAVALCANTE — Crê que eu possa
sarar num ano?
D. CARLOTA — É possível.
CAVALCANTE — Talvez sejam precisos
dois — dois ou três.
D. CARLOTA — Ou três.
CAVALCANTE — Quatro,
cinco...
D. CARLOTA — Cinco,
seis...
CAVALCANTE — Depende menos do país
que da doença.
D. CARLOTA — Ou do doente.
CAVALCANTE — Ou do doente. Já a
passagem do mar pode ser que me faça bem. A minha moléstia casou com um primo.
A sua (perdoe esta outra indiscrição; é a última), a sua casou com a viúva
espanhola. As espanholas, mormente viúvas, são detestáveis. Mas, diga-me uma
coisa: se uma pessoa já está curada, que é que vai fazer à Grécia!
D. CARLOTA — Convalescer,
naturalmente. O senhor, como ainda está doente, vai para a China.
CAVALCANTE — Tem razão.
Entretanto, começo a ter medo de morrer... Pensou alguma vez na morte?
D. CARLOTA — Pensa-se nela, mas lá
vem um dia em que a gente aceita a vida, seja como for.
CAVALCANTE — Vejo que sabe muita
coisa...
D. CARLOTA — Não sei nada; sou uma
tagarela, que o senhor obrigou a dar por paus e por pedras; mas, como é a
última vez que nos vemos, não importa. Agora, passe bem.
CAVALCANTE — Adeus, D. Carlota!
D. CARLOTA — Adeus, doutor!
CAVALCANTE — Adeus. (Dá um
passo para a porta do fundo). Talvez eu vá a Atenas; não fuja se me vir
vestido de frade.
D. CARLOTA (indo a ele) — De
frade? O senhor vai ser frade?
CAVALCANTE — Frade. Sua mãe
aprova-me, contanto que eu vá à China. Parece-lhe que devo obedecer a esta
vocação, ainda depois de perdida?
D. CARLOTA — É difícil obedecer a
uma vocação perdida.
CAVALCANTE — Talvez nem a tivesse,
e ninguém se deu ao trabalho de me dissuadir. Foi aqui, a seu lado, que comecei
a mudar. A sua voz sai de um coração que padeceu também, e sabe falar a quem
padece. Olhe, julgue-me doido, se quiser, mas eu vou pedir-lhe um favor:
conceda-me que a ame. (Carlota, perturbada, volta o rosto). Não lhe peço
que me ame, mas que se deixe amar; é um modo de ser grato. Se fosse uma santa,
não podia impedir que lhe acendesse uma vela.
D. CARLOTA — Não falemos mais
nisto e separemo-nos.
CAVALCANTE — A sua voz treme; olhe
para mim...
D. CARLOTA — Adeus; aí vem mamãe.
CENA XIII
Os mesmos, D. Leocádia
D. LEOCÁDIA — Que é isto, doutor?
Então o senhor quer só um ano de China? Vieram pedir-me que reduzisse a sua
ausência.
CAVALCANTE — D. Carlota lhe dirá o
que eu desejo.
D. CARLOTA — O doutor vem saber se
mamãe conhece algum cardeal em Roma.
CAVALCANTE — A princípio era um
cardeal; agora basta um vigário.
D. LEOCÁDIA — Um vigário? Para que?
CAVALCANTE — Não posso dizer.
D. LEOCÁDIA (a Carlota) — Deixa-nos
sós, Carlota; o doutor quer fazer-me uma confidência.
CAVALCANTE — Não, não, ao
contrário. D. Carlota pode ficar. O que eu quero dizer é que um vigário basta
para casar.
D. LEOCÁDIA — Casar a quem?
CAVALCANTE — Não é já, falta-me
ainda a noiva.
D. LEOCÁDIA — Mas quem é que me
está falando?
CAVALCANTE — Sou eu, D. Leocádia.
D. LEOCÁDIA — O senhor! o senhor! o senhor!
CAVALCANTE — Eu mesmo. Pedi
licença a alguém...
D. LEOCÁDIA — Para casar?
CENA XIV
Os mesmos, Magalhães, D.
Adelaide
MAGALHÃES — Consentiu, titia?
D. LEOCÁDIA — Em reduzir a China a
ano? Mas ele agora quer a vida inteira.
MAGALHÃES — Estás doido?
D. LEOCÁDIA — Sim, a vida inteira,
mas é para casar. (D. Carlota fala baixo a D. Adelaide). Você entende, Magalhães?
CAVALCANTE — Eu, que devia
entender, não entendo.
D. ADELAIDE (que ouviu D.
Carlota) — Entendo eu. O Dr. Cavalcante contou as suas tristezas a Carlota,
e Carlota, meia curada do seu próprio mal, expôs sem
querer o que tinha sentido. Entenderam-se e casam-se.
D. LEOCÁDIA (a Carlota) — Deveras? (D. Carlota baixa os olhos). Bem; como é para saúde dos dois, concedo;
são mais duas curas!
MAGALHÃES — Perdão; estas fizeram-se pela receita de um provérbio grego que está aqui
neste livro. (Abre o livro) "Não consultes médico; consulta
alguém que tenha estado doente".