Conversão de um avaro

 


 

Texto-Fonte:

http://www2.uol.com.br/machadodeassis

 

Publicado originalmente em Jornal das Famílias, junho, 1878.

 

 

 

 

Os vícios equilibram-se muita vez; outras vezes neutralizam-se ou vence um a outro... Há pecados que derrubam pecados, ou, pelo menos, quebram-lhes as pernas.

 

Gil Gomes tinha uma casa de colchões em uma das ruas do bairro dos Cajueiros. Era um homem de cinqüenta e dois anos, cheio de corpo, vermelho e avaro.

 

Ganhara um bom pecúlio a vender colchões e a não usar nenhum. Note-se que não era homem sórdido, pessoalmente desasseado; não. Usava camisa lavada, calça e rodaque lavados. Mas era a sua maior despesa. A cama era um velho sofá de palhinha; a mobília eram duas cadeiras, uma delas quebrada, uma mesa de pinho e um baú. A loja não era grande nem pequena, mas regular, cheia de mercadoria. Tinha dois operários.

 

Era mercador de colchões esse homem, desde 1827. Esta história passa-se em 1849. Nesse ano adoeceu Gil Gomes e um amigo, que morava no Engenho Velho, levou-o para casa, pelo motivo ou pretexto de que na cidade não poderia curar-se bem.

 

— Nada, meu amigo, disse ele a primeira vez que o outro lhe falou nisso, nada. Isto não é nada.

 

— É sim; pode ser, ao menos.

 

— Qual! Uma febrícula; vou tomar um chá.

 

O caso não era de chá; mas Gil Gomes evitava o médico e a botica até a última. O amigo deu-lhe a entender que não pensasse nessas despesas, e Gil Gomes, sem compreender logo que o amigo por força pensaria em alguma compensação, admirou esse rasgo de fraternidade. Não disse sim, nem não; levantou os ombros, olhou para o ar, enquanto o outro repetia:

 

— Vamos, vamos!

 

— Vá lá, disse ele. Talvez o melhor remédio seja a companhia de um bom amigo.

 

— Decerto!

 

— Porque a moléstia é nada; é uma febrícula...

 

— Das febrículas nascem os febrões, disse sentenciosamente o amigo de Gil Gomes.

 

Esse amigo chamava-se Borges; era um resto de sucessivos naufrágios. Tinha sido várias coisas, e ultimamente preparava-se a ser milionário. Contudo estava longe; tinha apenas dois escravos boçais comprados entre os últimos chegados por contrabando. Era, por ora, toda a riqueza, não podendo incluir-se nela a esposa que era um tigre de ferocidade, nem a filha, que parecia ter o juízo a juros. Mas este Borges vivia das melhores esperanças. Ganhava alguma coisa em não sei que agências particulares; e nos intervalos cuidava de um invento, que ele dizia destinado a revolucionar o mundo industrial. Ninguém sabia o que fosse, nem que destino tivera; mas ele afirmava que era grande coisa, utilíssima, nova e surpreendente.

 

Gil Gomes e José Borges chegaram à casa deste, onde ao primeiro foi dado um quarto de antemão arranjado. Gomes achou-se bem no aposento, posto lhe inspirasse ele o maior desprezo ao amigo.

 

— Que desperdício! quanta coisa inútil! Nunca há de ser nada o pateta! dizia ele entre dentes.

 

A doença de Gomes, atalhada a tempo, curou-se em poucos dias. A mulher e a filha de Borges tratavam dele com o carinho que permitia o gênio feroz de uma e a leviandade de outra. A Sra. D. Ana acordava às cinco horas da manhã e berrava até às dez da noite. Poupou ao hóspede esse costume durante a doença; mas, a palavra contida manifestava-se em repelões à filha, ao marido e às escravas. A filha chamava-se Mafalda; era uma moça pequena, vulgar, supersticiosa, que só se penteava às duas horas da tarde e andava sem meias toda a manhã.

 

Gil Gomes deu-se bem com a família.

 

O amigo não cogitava de outra coisa mais que de o fazer feliz, e lançou mão de bons cobres para tratá-lo como faria a um irmão, a um pai, a um filho.

 

— Dás-te bem? dizia-lhe no fim de quatro dias.

 

— Não me dou mal.

 

— Pior! isso é fugir à pergunta.

 

— Dou-me perfeitamente; e naturalmente incomodo-te...

 

— Oh! não...

 

— Decerto; um doente é sempre um peso de mais.

 

José Borges protestou com toda a energia contra essa suposição gratuita do amigo e acabou proferindo um discurso acerca dos deveres da amizade, que Gil Gomes ouviu enfastiado e penalizado.

 

Na véspera de voltar para a sua loja de colchões, Gil Gomes travou conhecimento com uma nova pessoa da família: a viúva Soares. A viúva Soares era prima de José Borges. Tinha vinte e sete anos, e era, na frase do primo, um pedaço de mulher. Efetivamente era vistosa, forte, de ombros largos, braços grossos e redondos. Viúva desde os vinte e dois, conservava um resto de luto, antes como um realce que outra coisa. Gostava de véu porque um poetastro lhe dissera em versos de todos os tamanhos que seus olhos, velados, eram como estrelas através de nuvens finas, idéia que a Sra. D. Rufina Soares achou engenhosa e novíssima. O poeta recebeu em paga um olhar.

 

Na verdade, os olhos eram bonitos, grandes, pretos, misteriosos. Gil Gomes, quando os viu ficou embasbacado; foi talvez o remédio que melhor o curou.

 

— Essa tua prima, na verdade...

 

— Um pedaço de mulher!

 

— Pedaço! é uma inteira, são duas mulheres, são trinta e cinco mulheres!

 

— Que entusiasmo! observou José Borges.

 

— Eu gosto do que é belo, respondeu Gil Gomes sentenciosamente.

 

A viúva ia jantar. Era uma boa perspectiva de tarde e noite de palestra e conversação. Gil Gomes já agradecia ao céu a doença, que lhe dera ocasião de encontrar tamanhas perfeições.

 

Rufina era muito agradável na conversa e pareceu simpatizar desde logo com o convalescente, fato em que as outras pessoas não pareceram reparar.

 

— Mas já está bom de todo? dizia ela ao colchoeiro.

 

— Estava quase bom; agora estou perfeito, respondeu ele com certo trejeito de olhos, que a viúva fingiu não ver.

 

— Meu primo é um bom amigo, disse ela.

 

— Oh! é uma pérola! Minha moléstia era pouca coisa; mas ele lá foi à casa, pediu, instou, fez tudo para que eu viesse tratar-me em casa dele, dizendo que eram precisos cuidados de família. Vim; em boa hora vim; estou são e re-são.

 

Desta vez foi Rufina quem fez um trejeito com os olhos. Gil Gomes, que não esperava por ele, sentiu cair-lhe a baba.

 

O jantar foi uma delícia, a noite outra delícia. Gil Gomes sentia-se transportado a todos os céus possíveis e impossíveis. Ele prolongou quanto pôde a noite, propôs uma bisca de quatro e teve meio de fazer com que Rufina fosse sua parceira só pelo gosto de lhe piscar o olho, quando tinha na mão o sete ou o ás.

 

Foi adiante.

 

Num lance difícil, em que a parceira hesitava se pegaria na vaza com a bisca de trunfo, Gil Gomes, vendo que ela não levantava os olhos, e conseguintemente não podendo fazer-lhe o sinal de costume, tocou-lhe no pé com o pé.

 

Rufina não recuou o pé; compreendeu, atirou a bisca na mesa. E os dois pés ficaram juntos alguns segundos. Repentinamente, a viúva, parecendo que só então dera pelo atrevimento ou liberdade do parceiro, recuou o pé e ficou muito séria.

 

Gil Gomes olhou vexado para ela; mas a viúva não lhe recebeu o olhar. No fim, sim; ao despedir-se daí a uma hora é que Rufina fez as pazes com o colchoeiro apertando-lhe muito a mão, o que o fez estremecer todo.

 

A noite foi cruel para o colchoeiro, ou antes deliciosa e cruel, ao mesmo tempo, porque sonhou com a viúva de princípio até o fim. O primeiro sonho foi bom: imaginava-se que passeava com ela e mais a família toda em um jardim e que a viúva lhe dera flores, sorrisos e beliscões. Mas o segundo sonho foi mau: sonhou que ela lhe enterrava um punhal. Desse pesadelo passou a melhores fantasias, e a noite correu toda entre imaginações diversas. A última, porém, sendo a melhor, foi a pior de todas: sonhou que estava casado com Rufina, e de tão belo sonho caiu na realidade do celibato.

 

O celibato! Gil Gomes começou a pensar seriamente nesse estado que já lhe durava muitos anos, e perguntou aos céus e à terra, se tinha direito de não casar. Esta pergunta foi respondida antes do almoço.

 

— Não! disse ele consigo; não devo casar nunca... Aquilo foi uma fantasia de uma hora. Leve o diabo a viúva e o resto. Ajuntar uns cobres menos maus para os dar a uma senhora que os desfará em pouco tempo... Nada! nada!

 

Almoçou tranqüilo; e despediu-se dos donos da casa com muitas manifestações de agradecimento.

 

— Agora não esqueça o número de nossa casa, já que se pilhou curado, disse a filha de José Borges.

 

O pai corou até os olhos, enquanto a mãe punia a indiscrição da filha com um beliscão que lhe fez ver as estrelas.

 

— Salta lá para dentro! disse a boa senhora.

 

Gil Gomes fingiu não ouvir nem ver nada. Apertou a mão dos amigos, prometeu-lhes uma eterna gratidão e saiu.

 

Seria faltar à verdade o dizer que Gil Gomes não pensou mais na viúva Rufina. Pensou; mas procurou vencer-se. Durou a luta uma semana. Ao fim desse tempo teve ímpeto de ir passar-lhe pela porta, mas receou, envergonhou-se.

 

— Nada! é preciso esquecer aquilo!

 

Quinze dias depois do encontro da viúva, Gil Gomes parecia ter efetivamente esquecido a viúva. Para isso contribuíram alguns acidentes. O mais importante deles foi o caso de um sobrinho que passava a vida a trabalhar quanto podia e numa bela noite foi recrutado em plena Rua dos Ciganos. Gil Gomes não amava ninguém neste mundo, nem no outro; mas devia certas obrigações ao finado pai do sobrinho; e, ao menos por decoro, não pôde recusar ir vê-lo, quando recebeu a notícia do desastre do rapaz. Pede a justiça que se diga que ele procurou durante dois dias retirar o sobrinho do exército que o esperava. Não lhe foi possível. Restava dar-lhe um substituto, e o recruta, quando viu perdidas todas as esperanças, insinuou esse recurso derradeiro. O olhar com que Gil Gomes respondeu à insinuação gelou todo o sangue que havia nas veias do moço. Esse olhar parecia dizer-lhe: — Um substituto! dinheiro! sou algum pródigo? Não é mais do que abrir os cordões à bolsa e deixar cair o que se custou a ganhar? Alma perversa, que espírito mau te meteu na cabeça esse pensamento de dissolução?

 

Outro incidente foi haver-lhe morrido insolvável o único devedor que ele tinha — um devedor de seiscentos mil-réis, com juros. Esta notícia poupou a Gil Gomes um jantar, tal foi a mágoa que o acometeu. Ele perguntava a si mesmo se era lícito aos devedores morrer sem liquidar as contas, e se os céus tinham tanta crueldade que levassem um pecador deixando uma dívida. Esta dor foi tão grande como a primeira, posto devesse ser maior; porquanto, Gil Gomes, em vários negócios que tinha tido com o devedor finado, havia-lhe colhido aos poucos a importância da dívida extinta pela morte; idéia que de algum modo o consolou e lhe fez mais tolerável a ceia.

 

Estava, portanto, D. Rufina, se não esquecida, ao menos adormecida na memória do colchoeiro, quando este uma noite recebeu um bilhetinho da mulher de José Borges. Pedia-lhe a megera que ele fosse lá jantar no próximo sábado, aniversário natalício da filha do casal. Este bilhete foi levado pelo próprio pai da moça.

 

— Podemos contar contigo? disse este, logo que o viu acabar de ler o bilhete.

 

— Eu sei! talvez...

 

— Não há talvez, nem meio talvez. É festa íntima, só parentes, dois amigos, um dos quais és tu... Senhoras, há só as de casa, a comadre Miquelina, madrinha de Mafalda, e a prima Rufina... Não sei se a conheces?

 

— Tua prima?... Conheço! acudiu o colchoeiro expelindo faíscas dos olhos. Não te lembras que ela passou a última noite que estive em tua casa? Até jogamos a bisca...

 

— É verdade! Não me lembrava!

 

— Boa senhora...

 

— Oh! é uma pérola! Ora, espera... agora me lembro que ela, ainda há poucos dias, esteve lá e falou em ti. Perguntou-me como estavas... É uma senhora de truz!...

 

— Pareceu-me...

 

— Vamos ao que importa, podemos contar contigo?

 

Gil Gomes interiormente tinha capitulado; queria declará-lo, mas por modo que não parecesse esquisito. Fez um gesto com as sobrancelhas, apertou a ponta do nariz, olhando para a carta e murmurou:

 

— Pois... sim... talvez...

 

— Talvez, não quero! Há de ser por força.

 

— És um diabo! Pois bem, vou.

 

José Borges apertou-lhe muito a mão, sentou-se, contou-lhe duas anedotas; e o colchoeiro, tocado subitamente da suspeita de que o primo da viúva quisesse pedir-lhe dinheiro, entrou a cochilar. José Borges saiu e foi levar à casa a notícia de que Gil Gomes compareceria à festa. Chegou como a Providência, fazendo suspender de cima da cabeça da filha uma chuva de ralhos com que a mãe castigava uma das infinitas indiscrições da pequena. A Sra. D. Ana não se alegrou logo, mas abrandou, ouviu a notícia, expectorou ainda seis ou sete adjetivos cruéis, por fim calou-se. José Borges, que, por medida de prudência, estava sempre do lado da mulher, disse solenemente à filha que se retirasse, o que era servir ao mesmo tempo à filha e à mãe.

 

— Então ele vem? disse D. Ana quando o temporal começou a amainar.

 

— Vem, e o resto...

 

— Parece-te?

 

— Eu creio...

 

No dia aprazado compareceu em casa de José Borges a gente convidada, os parentes, a comadre e os dois amigos. Entre os parentes havia um primo, pálido, esguio e magro, que nutria em relação a Mafalda uma paixão, correspondida pelo pai. Esse primo tinha três prédios. Mafalda dizia gostar muito dele; e se, na verdade, os olhos fossem sempre o espelho do coração, o coração da moça derretia-se pelo primo, porque os olhos eram dois globos de neve tocados pelo sol. O que a moça dizia no coração era que o primo não passava de uma figura de presepe; não obstante, autorizava-o a pedi-la nesse dia ao Sr. José Borges.

 

Por esse motivo entrou o jovem Inácio duas horas mais cedo que os outros; mas entrou somente. Falou, é verdade, mas falou só de coisas gerais. Três vezes investiu com o pai da namorada para pedir-lha, três vezes a palavra morreu-lhe nos lábios. Inácio era tímido; a figura circunspecta de José Borges, os olhos terríveis da Sra. D. Ana e até os modos ríspidos da namorada, tudo lhe metia medo e fazia perder a última gota de sangue. Os convidados entraram sem que ele houvesse exposto ao tio suas pretensões. Custou-lhe o silêncio um repelão da namorada; repelão curto, a que sucedeu um sorriso animador, porque a moça compreendia facilmente que um noivo, ainda que seja Inácio, não se pesca sem alguma paciência. Vingar-se-ia depois do casamento.

 

Pelas quatro horas e meia entrou o Sr. Gil Gomes. Quando ele apareceu à porta, José Borges esfregou os olhos como para certificar-se que não era sonho, e que efetivamente o colchoeiro ali lhe entrava pela sala. Pois quê! Onde, quando, de que modo, em que circunstâncias Gil Gomes calçara nunca luvas? Trazia um par de luvas — é verdade que de lã grossa —, mas enfim luvas, que na opinião dele eram inutilidades. Foi a única despesa séria que fez; mas fê-la. José Borges, durante um quarto de hora, ainda nutria a esperança de que o colchoeiro lhe trouxesse um presente para a filha. Um dia de anos! Mas a esperança morreu depressa: o colchoeiro era oposto à tradição dos presentes de anos; era um revolucionário.

 

A viúva Soares fez a sua entrada na sala (já estava na casa desde as duas horas), poucos minutos depois de ali chegar Gil Gomes. Este sentiu no corredor um farfalhar de vestido e um pisar grosso, que lhe contundiu o coração. Era ela, não podia ser outra. Rufina entrou majestosa; fosse acaso ou propósito, os primeiros olhos que fitou foram os dele.

 

— Nunca mais o vi desde aquela noite, disse ela baixinho ao colchoeiro daí a cinco minutos.

 

— É verdade, concordou Gil Gomes sem saber que respondesse.

 

Rufina reclinou-se na cadeira agitando o leque, meio voltada para ele, que respondia trêmulo.

 

Não tardou que a dona da casa convidasse a toda a gente a passar à sala de jantar. Gil Gomes levantou-se com idéia de dar o braço à viúva; José Borges facilitou-lhe a execução.

 

— Então, que é isso? Dê o braço à prima. Inácio, dá o braço a Mafalda. Eu levo a comadre... valeu? Você, Aninha...

 

— Eu vou com o Sr. Pantaleão.

 

O Sr. Pantaleão era um dos dois amigos convidados por José Borges, além dos parentes. Não vale a pena falar dele; basta dizer que era um homem silencioso; não tinha outro traço característico.

 

Na mesa, Gil Gomes foi sentado ao pé de Rufina. Ele estava aturdido, satisfeito, desvairado. Um gênio invisível atirava-lhe faíscas aos olhos; e entornava-lhe pelas veias abaixo um fluido, que ele supunha ser celestial. A viúva parecia, na verdade, mais bela do que nunca; fresca, repousada, ostentosa. Ele sentia-lhe o vestido a roçar-lhe as calças; via-lhe os olhos embeberem-se nos seus. Era um jantar aquilo ou um sonho? Gil Gomes não podia decidir.

 

José Borges alegrou a mesa como podia e sabia, sendo acompanhado pelos parentes e pela comadre. Dos dois estranhos, o colchoeiro pertencia à viúva e o silencioso era todo do seu estômago. José Borges tinha um leitão e um peru, eram as duas peças melhores do jantar, dizia ele, que já as anunciava desde o princípio. Começaram as saúdes; fez-se a de Mafalda, a de D. Ana e de José Borges, a da comadre, a da viúva. Esta saúde foi proposta com muito entusiasmo por José Borges e não menos entusiasticamente correspondida. Entre Rufina e Gil Gomes foi trocado um brinde particular, de copo batido.

 

Gil Gomes, apesar da resolução amorosa que se operava nele, comeu à farta. Um bom jantar era coisa para ele fortuita ou problemática. Só assim, de ano em ano. Por isso não deixou passar a ocasião. O jantar, o vinho, a palestra, a alegria geral, os olhos da viúva, talvez a pontinha de seu pé, tudo contribuiu para desatar os últimos nós à língua do colchoeiro. Ele ria, falava, dizia graças, fazia cumprimentos à dona, arriava todas as bandeiras. À sobremesa, quis por força que ela comesse uma pêra, descascada por ele; e a viúva, para lhe pagar a fineza, exigiu que ele comesse metade.

 

— Aceito! exclamou o colchoeiro fora de si.

 

A pêra foi descascada. Partiu-a a viúva, e os dois comeram a fruta, de parceria, com os olhos modestamente no prato. José Borges, que não perdeu a cena de vista, parecia satisfeito com a harmonia dos dois. Ergueu-se para fazer uma saúde ao estado conjugal. Gil Gomes correspondeu ruidosamente; Rufina nem tocou no copo.

 

— Não correspondeu ao brinde do seu primo? perguntou Gil Gomes.

 

— Não.

 

— Por quê?

 

— Porque não posso, suspirou a viúva.

 

— Ah!

 

Um silêncio.

 

— Mas... por que... isto é... que calor!

 

Estas palavras incoerentes, proferidas pelo colchoeiro, não pareceu que as ouvisse a viúva. Ela olhava para a borda da mesa, séria e fixamente, como quem encara o passado ou o futuro.

 

Gil Gomes achou-se um pouco acanhado. Não compreendia muito o motivo do silêncio de Rufina e perguntava a si próprio se ele havia dito alguma tolice. De repente, levantaram-se todos. A viúva tomou-lhe o braço.

 

Gil Gomes sentiu o braço de Rufina e estremeceu da cabeça até os pés.

 

— Por que motivo ficou triste ainda agora? perguntou ele.

 

— Eu?

 

— Sim.

 

— Fiquei triste?

 

— E muito.

 

— Não me lembro.

 

— Talvez fosse zangada.

 

— Por quê?

 

— Não sei; pode ser que eu a ofendesse.

 

— O senhor?

 

— Eu sim.

 

Rufina negou com os olhos, mas uns olhos que o colchoeiro antes quisera fossem duas espadas, porque atravessariam tão cruelmente o coração, por mais morto que o deixassem.

 

— Por quê?

 

Rufina apertou muito os olhos.

 

— Não me pergunte, disse ela afastando-se dele rapidamente.

 

O colchoeiro viu-a afastar-se e levar-lhe o coração na barra do vestido. Seu espírito sentiu pela primeira vez a vertigem conjugal. Ele, que deixara de fumar por economia, aceitou um charuto de José Borges para distrair-se, e fumou-o todo sem poder arrancar de si a imagem da viúva. Rufina, entretanto, parecia evitá-lo. Três vezes quis ele entabular conversação sem conseguir detê-la.

 

— Que é isso? perguntou o colchoeiro consigo.

 

Aquele procedimento deixou-o ainda mais perplexo. Ficou triste, amuado, não sentiu correr as horas. Eram onze quando deu acordo de si. Onze horas! E ele que quisera assistir ao fechar a porta! A casa entregue ao caixeiro tão longo tempo, era um perigo; pelo menos, uma novidade que podia ter graves conseqüências. Circunstância que ainda mais lhe ensombrou o espírito. Irritado consigo mesmo, fugiu à companhia dos outros e foi sentar-se em uma saleta, deu corda a uma caixa de música que ali achou e sentou-se a ouvi-la.

 

De repente, foi interrompido pelo passo forte da viúva, que fora buscar o xale para sair.

 

— Vai embora? perguntou ele.

 

— Vou.

 

— Tão cedo!

 

Rufina não respondeu.

 

— Parece que a senhora ficou mal comigo.

 

— Pode ser.

 

— Por quê?

 

Rufina suspirou; e depois de um silêncio:

 

— Não me fale mais, não procure ver-me, adeus!...

 

Saiu.

 

Gil Gomes, atordoado com a primeira impressão, não pôde dar um passo. Mas, enfim, dominou-se e saiu em procura da viúva. Achou-a na sala a abraçar a prima. Quis falar-lhe, chegou a dizer-lhe algumas palavras; mas Rufina não pareceu ouvir. Apertou a mão a todos. Quando chegou a vez do colchoeiro, foi um aperto, um só, mas um aperto que valia por todos os apertos do mundo, não que fizesse forte, mas porque era significativo.

 

Gil Gomes saiu dali meia hora depois, num estado de agitação como nunca estivera em todos os longos dias de sua existência. Não foi logo para casa; era-lhe impossível dormir, e andar na rua sempre era economizar a vela. Andou cerca de duas horas, a ruminar umas idéias, a correr atrás de umas visões, a evaporar-se em fantasias de toda a espécie.

 

No dia seguinte, à hora do costume, estava na loja sem saber o que fazia. Custava-lhe a reconhecer os seus colchões. O dia, a agitação dos negócios, o almoço puseram alguma surdina às vozes do coração. O importuno calou-se modestamente ou, antes, velhacamente, para criar mais forças. Era tarde. Rufina tinha cravado no peito do colchoeiro a seta da dominação.

 

Era preciso vê-la.

 

Mas como?

 

Gil Gomes pensou nos meios de satisfazer essa necessidade imperiosa. A figura esbelta, forte, rechonchuda da prima de José Borges parecia estar diante dele a dizer-lhe com os olhos: Vai ver-me! vai ter comigo! vai dizer-me o que sentes!

 

Por fortuna de Gil Gomes a viúva fazia anos dali a três semanas. Ele foi um dos convidados. Correu ao convite da dama de seus pensamentos. A vizinhança, que conhecia os hábitos tradicionalmente caseiros de Gil Gomes, entrou a comentar as suas saídas freqüentes e a conjecturar mil coisas, com a fertilidade da gente curiosa e vadia. O fato, sobretudo, de o ver sair com uma sobrecasaca nova, por ocasião dos anos da viúva, pôs a rua em alvoroço. Uma sobrecasaca nova! era o fim do mundo. Que querem? A viúva valia a pena de um sacrifício por maior que ele fosse e aquele foi imenso. Três vezes recuou o colchoeiro estando à porta do alfaiate, mas três vezes insistiu. Ir-se embora, se fosse possível varrer-se-lhe da memória a figura da dama. Mas se ele a trazia presente! Se ela estava aí diante dele, a fitá-lo, a sorrir-lhe, a moer-lhe a alma, a despedaçar-lhe o coração! Veio a sobrecasaca; ele vestiu-a; achou-se elegante. Não chorou o dinheiro, porque só o dominava a idéia de ser contemplado pela viúva.

 

Esse novo encontro de Gil Gomes e Rufina foi a ocasião de se entenderem. Tantas atenções com ele! Tantos olhares para ela! Um e outro caminhavam rapidamente até esbarrarem no céu azul, como dois astros errantes e simpáticos. O colchoeiro estava prostrado. A viúva parecia vencida. José Borges favoreceu essa situação, descobrindo-a a ambos.

 

— Vocês estão meditando alguma coisa, disse ele, achando-se uma vez a olhar um para o outro.

 

— Nós? murmurou Rufina.

 

Este nós penetrou a alma do colchoeiro.

 

O colchoeiro fez duas ou três visitas à viúva, em ocasião que lá ia a família desta. Uma vez apresentou-se, sem que a família lá estivesse. Rufina mandou dizer que não estava em casa.

 

— Seriamente? perguntou ele à preta. Tua senhora não está em casa?

 

— Ela mandou dizer que não, senhor, acudiu a boçal escrava.

 

Gil Gomes quis insistir; mas podia ser inútil; saiu com a morte em si. Aquela esquivança era um aguilhão, que ainda mais o irritou. A noite foi cruel. No dia seguinte apareceu-lhe José Borges.

 

— Podes falar comigo em particular? disse este.

 

— Posso.

 

Foram para os fundos da loja. Sentaram-se em duas cadeiras de pau. José Borges tossiu, meditou um instante. Custava-lhe ou parecia custar-lhe a entabular a conversa. Enfim, rompeu o silêncio:

 

— Tu foste ontem à casa de minha prima?

 

— Fui.

 

— Disseram-te que ela não estava em casa...

 

— Sim, a preta...

 

— A preta disse mais: deu a entender que minha prima estava, mas dera ordem de te dizer que não.

 

— Era falso?

 

— Era verdade.

 

— Mas então?...

 

— Eu te explico. Rufina sabe que tu gostas dela; tu deves saber que ela gosta de ti; todo o mundo sabe que vocês gostam um do outro. Ora, se lá fores quando nós estamos, bem...

 

Gil Gomes tinha-se levantado e dera quatro ou seis passos na salinha, sem ouvir o resto do discurso de José Borges, que teve em si o seu único auditório.

 

No fim de alguns minutos, o colchoeiro sentou-se outra vez e inquiriu o amigo:

 

— Dizes então que eu gosto de tua prima?

 

— É visível.

 

— E que ela gosta de mim?

 

— Só um cego o não verá.

 

— Ela supõe isso?

 

— Vê e sente-o!

 

— Sente-o?

 

O colchoeiro esfregou as mãos.

 

— Gosta de mim? repetiu ele.

 

— E tu gostas dela.

 

— Sim, confesso que... Parece-te ridículo?

 

— Ridículo! Essa agora! Pois um homem como tu, dotado de verdadeiras e boas qualidades, há de parecer ridículo por gostar de uma senhora como Rufina?...

 

— Sim, creio que não.

 

— De nenhum modo. O que te digo é que toda a circunspecção é pouca, até o dia do casamento.

 

Ouvindo esta palavra, Gil Gomes sentiu um calafrio e perdeu momentaneamente todas as forças. A idéia talvez lhe passasse alguma vez pelo espírito, mas vaga e obscura, sem se fixar nem clarear. José Borges proferia a palavra em toda a sua realidade. O colchoeiro não pôde resistir ao abalo. Ele vivia em uma agitação que o punha fora da realidade e sem efeitos. A palavra formal, na boca de um parente, quando já ninguém ignorava a natureza de seus sentimentos, era um golpe quase inesperado e de efeito certo.

 

José Borges fingiu não reparar na impressão do amigo, e continuou a falar do casamento, como de uma coisa indeclinável. Teceu os maiores elogios à viúva, à sua beleza, aos seus pretendentes, às suas virtudes. A maior destas era a economia; pelo menos, foi o que ele mais louvou. Quanto aos pretendentes eram muitos, mas ultimamente estavam reduzidos a cinco ou seis. Um deles era desembargador. No fim de uma hora, José Borges saiu.

 

A situação do colchoeiro complicava-se; sem o pensar achava-se às portas de um casamento, isto é, de uma grande despesa que viria abalar muito o edifício laborioso de suas economias.

 

Passou-se uma semana depois daquele diálogo, e a situação de Gil Gomes não melhorou nada. Pelo contrário, agravou-se. No fim desse tempo, tornou a ver a viúva. Nunca lhe pareceu mais bela. Trazia um vestido simples, nenhum ornato, salvo uma flor ao seio, que ela em ocasião oportuna tirou e ofereceu ao colchoeiro. A paixão de Gil Comes foi-se convertendo numa embriaguez; ele já não podia viver sem ela. Era preciso vê-la, e quando a via, tinha ânsia de lhe cair ao pés. Rufina suspirava, falava; quebrava os olhos, trazia arrastado o pobre Gil Gomes.

 

Veio mais uma semana, depois outra e mais outra. O amor trouxe algumas despesas nunca usadas. Gil Gomes sentiu que a avareza afrouxava um pouco as rédeas; ou, por outra, não sentiu nada, porque nada podia sentir; foi alongando os cordões à bolsa.

 

A idéia do casamento aferrou-se-lhe deveras. Era grave, era um abismo que ele abriu diante de si. Às vezes assustava-se; outras vezes fechava os olhos disposto a mergulhar nas trevas.

 

Um dia, Rufina ouviu ao colchoeiro o pedido em regra, ainda que timidamente formulado. Ouviu-o, fechou a cabeça nas mãos e recusou.

 

— Recusa-me? clamou o infeliz aturdido.

 

— Recuso, disse firmemente a viúva.

 

Gil Gomes não contava com a resposta; insistiu, rogou, mas a viúva não parecia ceder.

 

— Mas por que recusa? perguntou. Não gosta de mim?

 

— Oh! interrompeu ela apertando-lhe as mãos.

 

— Não é livre?

 

— Sou.

 

— Não compreendo, explique-se.

 

A viúva não respondeu logo; foi dali a um sofá e meteu a cabeça nas mãos, durante cinco minutos. Vista assim era talvez mais bela. Estava meio reclinada, ofegante, com alguma desordem nos cabelos.

 

— Que é? que tem? perguntou Gil Gomes com uma ternura que ninguém era capaz de supor-lhe. Vamos lá; confie-me tudo, se alguma coisa há, porque eu não compreendo...

 

— Amo-o muito, disse Rufina erguendo para ele um par de olhos belos como duas estrelas; amo-o muito e muito. Mas vacilo em casar.

 

— Disseram-lhe de mim alguma coisa?

 

— Não, mas tremo do casamento.

 

— Por quê? Foi infeliz com o primeiro?

 

— Fui muito feliz, e por isso mesmo receio que seja infeliz agora. Parece-me que o céu me castigará se eu casar segunda vez, porque nenhuma mulher foi ainda tão amada como eu fui. Oh! se soubesse que amor me teve meu marido! Que paixão! que delírio! Vivia para fazer-me feliz. Perdi-o; casar com outro é esquecê-lo...

 

Tornou a cobrir o rosto com as mãos, enquanto o colchoeiro, ferido por aquele novo dardo, jurava a seus deuses que havia de casar com ela ou o mundo viria abaixo.

 

A luta durou três dias, três longos e estirados dias. Gil Gomes não cuidou de outra coisa durante o combate; não abriu os livros da casa; talvez chegou a não afagar um freguês. Pior que tudo: chegou a oferecer um camarote de teatro à viúva. Um camarote! Que decadência!

 

Não podia ir longe a luta e não foi. No quarto dia recebeu ele uma resposta decisiva, um sim escrito em papel bordado. Respirou; beijou o papel; correu à casa de Rufina. Ela esperava-o ansiosa. Suas mãos tocaram-se; um ósculo confirmou o escrito.

 

Desde aquele dia até o do casamento foi um turbilhão em que o pobre colchoeiro viveu. Não via nada; quase não sabia contar; estava cego e tonto. De quando em quando um movimento instintivo parecia fazê-lo mudar de caminho, mas era rápido. Assim, a idéia dele era que o casamento não tivesse aparato; mas José Borges combateu essa idéia como indigna dos noivos:

 

— Demais é bom que todos o invejem.

 

— Que tem isso?

 

— Quando virem passar o préstito todos dirão: Que maganão! Que casamento! Rico e feliz!

 

— Rico... isto é... interrompeu Gil Gomes, cedendo ao costume antigo.

 

José Borges bateu-lhe no ombro, sorriu e não admitiu réplica. Ainda assim, ele não teria vencido, se não fosse o voto da prima. A viúva declarou preferível um casamento aparatoso; o colchoeiro não tinha outra vontade.

 

— Vá lá, disse ele; coupés, não é?

 

— Justamente; cavalos brancos, arreios finos, cocheiros de libré, coisa bonita.

 

— Mais bonita do que você, é impossível, acudiu o colchoeiro com um ar terno e galante.

 

Outro ósculo que o fez ver estrelas ao meio-dia. Estava decidido que o casamento teria o maior aparato. Gil Gomes reconhecia que a despesa era enorme, e intimamente pensava que era inútil; mas desde que ela queria, toda a discussão estava acabada. Mandou preparar a roupa dele; teve até de sortir-se, porque nada possuía em casa; aposentou os dois velhos rodaques, as três calças de quatro anos. Pôs casa. A viúva guiou-o nessa tarefa difícil; indicou o que ele devia comprar; escolheu ela mesma a mobília, os tapetes, os vasos, as cortinas, os cristais, as porcelanas. As contas chegavam às mãos do colchoeiro rotundas e pavorosas; mas ele pagava, quase sem sentir.

 

Na véspera do casamento, tinha ele deixado de pertencer a este mundo, tão alheado andava dos homens. José Borges aproveitou esse estado de sonambulismo amoroso para lhe pedir duzentos mil-réis emprestados. Coisa miraculosa! Gil Gomes emprestou-os. Era verdadeiramente o fim do mundo. Emprestou os duzentos mil-réis, sem fiança, nem obrigação escrita. Isto e a derrota do primeiro Napoleão são os dois fatos mais estrondosos do século.

 

Casou no dia seguinte. A vizinhança toda sabia já do casamento, mas não podia crer, supunha que era boato, apesar das mil provas que os noveleiros espalhavam de loja em loja... Casou; quem o viu entrar no coupé, ainda hoje duvida se estava sonhando naquele dia.

 

Uma vez casado, estava passado o Rubicão. A ex-viúva encheu a vida do colchoeiro; ocupou em seu coração o lugar que até então pertencera à libra esterlina. Gil Gomes estava mudado; fora uma larva; passava a borboleta. E que borboleta! A vida solitária da loja dos colchões era agora o seu remorso; ele mesmo ria de si. A mulher, só a mulher, nada mais que a mulher, eis o sonho da vida do colchoeiro; era o modelo dos maridos.

 

Rufina amava o luxo, a vida estrondosa, os teatros, os jantares, os brilhantes. Gil Gomes, que vivera a detestar tudo aquilo, mudou de sentimento e acompanhou as tendências da esposa. De longe em longe tinha uma estremeção na alma. “Gil! Exclamava ele, aonde vais? Que destino te leva à prodigalidade?” Mas um sorriso, um afago de Rufina dissipava as nuvens e atirava o colchoeiro à carreira em que ia.

 

Um ano depois de casado sabia jogar o voltarete e tinha assinatura no teatro. Comprou carro; dava jantares às sextas-feiras; emprestava dinheiro a José Borges de trimestre em trimestre. Circunstância particular: José Borges não lhe pagava nunca.

 

Vieram os anos, e cada ano novo achava-o mais namorado da mulher. Gil Gomes era uma espécie de cachorrinho de regaço. Com ela, ao pé dela, defronte dela, a olhar para ela; não tinha outro lugar nem outra atitude. A bolsa emagreceu; ele engordou. Nos últimos anos, tinha vendido o carro, suspendido os jantares e os teatros, diminuído os empréstimos a José Borges, jogava a bisca a tentos. Quando a miséria chegou, Rufina retirou-se deste mundo. O colchoeiro que já não tinha colchões, acabou a vida servindo de agente em um cartório de escrivão.