Comentários da semana
Texto-fonte:
Obra Completa, Machado de Assis,
Rio
de Janeiro: Edições W. M. Jackson,1938.
Publicado originalmente
o Diário do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, de 01/11/1861 a 05/05/1862.
1 DE NOVEMBRO DE 1861.
Prefácio
político – Exposição – Ensino Praxedes –
Coroa
ao Dr. Pinheiro Guimarães – O mágico Felipe –
Regata
- Comemoração de defuntos.
O que há de política? É a pergunta que naturalmente ocorre a todos, e a que me fará o meu leitor, se não é ministro. O silêncio é a resposta. Não há nada, absolutamente nada. A tela da atualidade política é uma paisagem uniforme; nada a perturba, nada a modifica. Dissera-se um país onde o povo só sabe que existe politicamente quando ouve o fisco bater-lhe à porta.
O que dá razão a
este marasmo? Causas gerais e causas especiais. Foi sempre princípio nosso do
governo aquele fatalismo que entrega os povos orientais de mãos atadas às
eventualidades do destino. O que há de vir, há de vir, dizem os ministros, que,
além de acharem o sistema, cômodo, por amor da indolência própria, querem
também pôr a culpa dos maus acontecimentos nas costas da entidade
invisível e misteriosa, a que atribuem tudo.
Dizem, é verdade,
que há tal ministro que, adotando politicamente aquele princípio, descrê da sua
legitimidade quando se trata da sua pessoa, e que,
longe de esperar que a chuva lhe traga água, vai á própria fonte buscar com que
estancar a sede. O leitor vê bem o que há de profundamente injurioso em
semelhante proposição, e facilmente compreenderá o sentimento que me leva não
insistir neste ponto.
Mas, seja ou não
assim, o que nos importa saber é que os nossos governos são, salvas as devidas
exceções, mais fatalistas que um turco de velha raça. Seria este ministério uma
exceção? Não; tudo nele indica a filiação que o liga intimamente aos da boa
escola. É um ministério-modelo; vive do expediente e do aviso; pouco se lhe dá
do conteúdo do ofício, contanto que tenha observado na confecção dele as
fórmulas tabelioas; dorme á noite com a paz na consciência, uma vez que de
manhã tenha assinado o ponto na secretaria.
Está dada a razão
por que subiu no meio das antífonas e das orações dos amigos, apesar dos travos
de fel com que alguns quiseram fazer-lhe amargar a taça do poder. Diziam estes:
“É um ministério medíocre”. Mas, por Deus, por isso mesmo é que é sublime!Em
nosso país a vulgaridade é um título, a mediocridade um brasão
; para os que têm a fortuna de não se alarem além de uma esfera comum é
que nos fornos do Estado se coze e tosta o apetitoso pão-de-ló, que é depois
repartido por eles, para glória de Deus e da pátria. Vai nisto um sentimento de
caridade, ou, direi mesmo, um princípio de equidade e de justiça. Por toda a
parte cabem as regalias ás inteligências que se aferem por um padrão superior;
é bem que os que se não acham neste caso tenham o seu quinhão em qualquer ponto
da terra. E dão-lhe grosso e suculento, a bem de se lhes pagar as injúrias
recebidas da civilização.
Não se admire,
portanto, o leitor se não lhe dou notícias políticas. Política, como eu e o meu
leitor entendemos, não há. E devia agora exigir-se de um melro o alcance do
olhar da águia e o rasgado de seu vôo? Além de ilógico fora crueldade. Estamos
muito bem assim; demais, não precisa o império de capricórnio.
É sob a gerência
deste ministério que vai efetuar-se em nossa capital uma festa industrial, a
exposição de 1 de dezembro.
Se o leitor
acompanhou as discussões do senado este ano, deve lembrar-se que quase no fim
da sessão o Sr. senador Penna, que ali ejaculou alguns
discursos “notáveis”, entre eles o dos pesos e medidas do Sr. Manoel Felizardo,
levantou-se e pediu a opinião do Sr. ministro do fomento acerca da conveniência
de representar o Brasil na próxima exposição de Londres.O Sr. ministro, que por
uma coincidência, que não passou despercebida, havia previsto os sentimentos do
honrado senador, levantou-se e declarou que já havia pensado nisso, e que
dentro de quatro dias tinham de aparecer as instruções regulamentares das
exposições parciais no Brasil, para delas extrair-se o melhor, e enviar-se á
exposição de Londres.Portanto, os dois heróis da exposição são os Srs. Penna e
ministro do fomento, a quem, em minha opinião, devem ser conferidas as
primeiras medalhas, a não ser que se olhe como prêmio comemorativo a
presidência de Mato-Grosso e as ajudas de custo, que, por eleição do sagrado
concílio, couberam ao Sr. Herculano Penna. Em todo o caso há uma dívida
contraída com o Sr. ministro do fomento.
As instruções
apareceram um pouco sibilinas e indigestas, como
salada mal preparada, mas dignas do ministro e do ministério. E imediatamente
as ordens se expediram, com uma presteza cuja raridade não posso deixar de
comemorar, e em toda a parte se preparam a esta hora
as exposições parciais.
A da corte tem
lugar no dia 2 de dezembro, no edifício da escola central. A decoração está a
cargo do Sr. Dr. Lagos, que é um dos mais importantes expositores. Disse-me
alguém que àquele nosso distinto patrício se entregou uma soma fabulosa. . .
(mente) mesquinha, o que é realmente digno de censura,
se não atendermos à divisa do ministério, e a que é impossível fazer uma
exposição e ao mesmo tempo mandar uma jovem comissão estudar à Europa os
sistemas postais. A exposição é uma coisa bonita; mas há muito moço que ainda
não foi a Paris, e é preciso não deixar que esses belos espíritos morram
abafados pela nossa atmosfera brasileira. Ora, a economia. . .
A Exposição
corresponderá aos esforços dos seus diretores, se a atenção pública não for
desviada pela nova obra “Ensino Praxedes”, de
que dá notícia a folha oficial. É um novo método de ensino, fundado sobre a filosofia
do A B C. Ouço já o meu sôfrego leitor perguntar-me o que é a filosofia do A B
C. Eu ainda não li o precioso livro; mas diz-me um boticário, que o folheou
entre duas receitas, que essa filosofia cifra-se em demonstrar que não há entre
as letras do alfabeto a diferença que geralmente se supõe, e que o A e o G se
parecem como duas gotas de água. Talvez o meu leitor não ache muito clara a identidade; mas é aí que está a sutileza do novo
método.
Ocorre-me lembrar
uma coisa. Este livro deve figurar na exposição de Londres. Ali se reserva uma
sala para a exposição de planos, livros e métodos pedagógicos de ensino
primário. Vê-se que o novo “Ensino” está correndo para lá como um rio
para o mar.
A matéria do ensino
é grave e profunda; não se deve perder material algum que possa servir à
organização da instrução pública, como ela deve ser feita. Ora, compreendesse
bem que o sistema do “Ensino Praxedes” vem dar
um grande avanço, porque, se pela analogia, ou antes, identidade dos
caracteres, chegamos a converter o alfabeto em uma só
letra, é evidente que teremos feito mais que todos o que têm estudado e
desenvolvido a matéria e, se é dado crismar o novo método, proponho que se
desdenhe o título de “Método-vapor”, e que se lhe de o que lhe compete, “Método-elétrico.”
A obrigação de
comentar leva-me a fazer transições bruscas; por isso passo sem preâmbulo do
novo livro a oferta que por parte de alguns amigos e admiradores acaba de ser
feita ao Sr. Dr. Pinheiro Guimarães, autor do drama “História de uma moça
rica”.
Afirmo que o
leitor, se não é beato, está tão convencido como eu da justiça daquela oferta.
Ela significa, além disso, um desmentido solene às censuras que, em mal da
composição do novo dramaturgo, haviam levantado os que sentem em si à alma daquele
herói de Molière, que pecava em silêncio e se acomodava com o céu.
As palmas que acompanhavam a entrega da coroa ao Sr.Dr.Pinheiro
Guimarães confirmaram ainda uma vez a boa opinião que nós espíritos
desprevenidos, sinceramente amante das letras, tem criado o poeta. Estou certo
de que elas valem mais que a alma devota dos censores.
Tem outro alcance a
coroa do autor da “História de uma moça rica”; é um incentivo à
mocidade laboriosa, que, vendo assim aplaudidas e festejadas as composições
nacionais, não se deixará ficar no escuro, e virá a
cada operário por sua vez enriquecer com um relevo o monumento da arte e da
literatura.
A nossa capital tem
sido visitada por mais de um mágico, e sem dúvida está ainda fresca a impressão
que produziu o distinto Hermann, que fazia coisas com aquelas bentas
mãos de pôr a gente a olhar o sinal. No tempo
Agora apareceu ele,
o Sr. Philippe, filho de um mágico célebre de Paris. Trabalha com destreza e
habilidade, e faz passar o espectador algumas horas de verdadeira satisfação.
Se o meu leitor quiser verificá-lo deve ir ao Ginásio sempre que o Sr. Philippe
trabalhar.
Efetua-se hoje à
tarde a grande regata de que falei em um dos meus “Comentários” passados, e
cujo programa as folhas publicaram ontem.
Ao que parece, o
divertimento será em regra, e amadores e espectadores terão uma tarde deliciosa
a passar. Compreende-se bem que os Ingleses se distraiam das suas graves
preocupações para tomar parte ou presenciar uma regata, hoje que o
divertidíssimo soco inglês é punido pelas leis da Grã-Bretanha. Vejam se não
excita a fibra ver quatro escaleres rasgando com as quilhas cortadoras o seio
de um mar calmo e azul, e os remeiros, com o estímulo e o entusiasmo nos olhos,
empregando toda a perícia, a ver quem primeiro chega ao termo da carreira, que
é a terra da promissão!
Diga-se o que
quiser dos Ingleses, mas confesse-se que nesta predileção pela regata e outros
divertimentos do mesmo gênero mostram eles que Deus também os dotou da bossa do
bom gosto. Honra àqueles graves insulares!
Os moços que hoje
tomam parte na regata são pela maior parte, oficiais da nossa jovem marinha,
mas entram no divertimento franceses e ingleses que não
deviam faltar a ele. A festa é, portanto, completa, e desta vez é
deveras uma regata, pois que os escaleres devem correr próximos à praia, para
que todos possam ver.
Depois da festa do
mar, vem a festa dos cemitérios, a comemoração dos
mortos, piedosa romagem que a população faz às pequenas e solitárias necrópoles,
onde repousam os restos do irmão, do pai, do consorte, da mãe e do amigo.
É uma
peregrinação imponente. Os romeiros vão de luto orar pelos que repousam no
último jazigo, e derramar à vista de todos, as lágrimas da saudade e da tristeza. É esta uma das práticas dos povos cristãos
que mais impressionam a alma do homem verdadeiramente religioso, embora a
vaidade humana macule, como acontece em todas as
coisas da vida, a grave e melancólica cerimônia, com as suas suntuosas
distinções.
Dizem os que têm
visitado a antiga cidade de Constantino que há uma grande diferença entre um
cemitério turco e um cemitério cristão. Aquele não inspira o sentimento que se
experimenta quando se entra neste. O turco entrelaça a morte à vida, de modo
que não se passeia com terror ou melancolia entre duas alas de túmulos. A razão
desta diferença parece estar na própria religião. O que quereis que seja a
morte para um povo a quem se promete na eternidade, a eternidade dos gozos mais
voluptuosos que a imaginação mais viva pode imaginar? Esse povo, que vive no
requinte dos prazeres materiais, só entende o que fala aos sentidos, e
considera bem aventurados os que morreram que já gozam ou estão perto de gozar
os prazeres prometidos pelo profeta.
Mas
filosoficamente, terão razão eles ou nós, filhos da igreja cristã? Há razão
para ambas as partes, e cumpre acatar os sentimentos alheios para que não
desrespeitem os nossos.
Gil
10 de novembro de
1861.
Vaga
senatorial – Agências do correio – Companhia italiana: Norma – Compositores
nacionais – Condecorações – Batuta – Associação de caridade – Aventura inglesa
– Uma volta de artistas.
Vagou uma cadeira
no senado. É a que pertenceu ao eleito por Mato-Grosso, João Antonio de
Miranda, que acaba de falecer, levando consigo a experiência e o conhecimento
do egoísmo de um partido político. Tão gordo posto fez arregalar o olho a mais de um; e eis que todos
quanto gozam da inefável ventura de andarem entradetes no outono da
vida começam a fazer valer os seus direitos e os seus serviços.
Fala-se de
muitos, e chega-se até a indicar todas as probabilidades. A folha oficial, que
toma o seu papel a sério, sem reparar que encanta mais “par son plumage que par son ramage”, não se arreceou de
comprometer no futuro o queijo do experiente, e abriu o largo bico para dizer
que entre muitos candidatos um havia que merecia exclusivamente os sufrágios
dos eleitores.
Deve supor-se que é
esse o escolhido do partido do governo, que é sempre o legítimo partido. Um outro candidato, ministro como o que foi apresentado por
“ Maître Corbeau”,
não fará concorrência, porquanto, depois de ter naufragado em dois diques, no
do Maranhão e no Rio de Janeiro, não quer arriscar-se a fazer uma figura triste
neste país, que é o da lindas figuras. Além destes dois, havia um que, se o
governo quisesse, podia fazê-lo triunfar, o Sr. Sergio de Macedo, homem que,
afora a missão diplomática, o cargo de ministro e o exercício de deputado, tem dado conta da mão saindo-se brilhantemente de toda a
empresa que comete.
Tais e outros são
os ovos que estão incubando, agasalhados pelas asas protetoras daquela remota e
passiva província de Mato-Grosso; estão sim, mas a ansiedade da surpresa não se
dará no fim do termo legal da incubação; já se conhece o ovo que há de gerar, e
a mim até me parecer ver já o pinto no poleiro. A tal ponto chega à ciência
política!
É tão bom ter uma
cadeira no senado! A gente faz o seu testamento, e ocupa o resto do tempo
em precauções higiênicas, a bem de dilatar a vida e gozar por mais tempo das
honrarias inerentes ao posto de príncipe do império. Alguns não observam tão salutar preceito, e esfalfam-se em
orações políticas contra os abusos do poder; por isso vão mais depressa à
sepultura, onde ninguém é senador nem tem honrarias de príncipe.
Com a questão
da vaga senatorial veio naturalmente a questão da
presidência da província, que há de ser a presidência da eleição. Estava
nomeado antes da vaga o Sr. Conselheiro Penna; mas S. Excia., que é exímio em ordenar um expediente e em fazer o
seu discursozinho sobre questões de ordem, não se abalançará a presidir uma
eleição em província que não conhece, e tão longe do governo central.
Trata-se,
portanto, segundo ouvi dizer a mais de um, de substituir o nomeado, o que eu
acho que é uma coisa muito justa. Pois falta com que distrair os tédios do Sr. Conselheiro Penna no intervalo da sessão legislativa?
Não haverá outro ponto do império onde S. Excia. vá tomar ares? Por força que há de haver.
Tais são as
notícias importantes do mundo político que chegaram ao meu conhecimento. Quanto
ao Sr. Ministro da agricultura, que é o meu predileto,
está fazendo “ amende honorable”
de um erro administrativo: restabelece as agências postais do interior, que um
dia de sestro econômico lembrou-se de suprimir. Deus o conserve em tão boas
disposições!
Apesar da
importância dos fatos que muito singela e rapidamente acabo de referir, o que
mais deu que falar nestes últimos dias foi a companhia
italiana, que aqui está de passagem para Buenos Aires.
Falou-se muito
antecipadamente na primeira-dama, a Sra. Parodi, que trazia consigo um diploma de reputação européia. Tinha ela de cantar a Norma diante de um público que ainda conservava as impressões de Mme. Lagrange. Por isso todo mundo diletante se agitou,
e na noite da representação da Norma lá estavam os antigos entusiastas
do canto italiano a esperar pela novidade.
A Sra. Parodi confirmou o que dela se tinha dito: tem muito
talento e profundos conhecimentos da arte a que se dedicou; é ao mesmo tempo
uma eminente cantora e uma trágica eminente. O seu gesto é nobre, os seus
movimentos largos e desembaraçados, as suas posições belas, como as das
estátuas antigas. Aquilo é que era a sacerdotisa gaulesa. Depois Lagrange ninguém viu melhor. Quando experimentava um
sentimento, exprimia-o com a voz, com o gesto, com a fisionomia, sem procurar
agradar aos basbaques com os recursos das mediocridades. Ah! É que possui a
flama sagrada e consumiu o tempo em uma escola européia, que eu peço licença
para considerar melhor que nossas, se me é dado falar dos ausentes.
O tenor Mazzis conhece a arte e canta bem; acrescentai a isto uma
bela figura, e compreendereis, leitor, que Norma se
apaixonasse por Pelion.
Bela e fresca é a
voz do baixo Rossi, que foi aplaudido com justiça, e que muito mais o deve ser
no Ernani, que sobe hoje à cena.
Coube o papel
de Adalgiza a uma moça, quase diria menina, tanto o
seu ar ingênuo e tímido me pareceu aquele da criatura que passa a infância à
adolescência. A sua voz, fresca e melodiosa, corresponde perfeitamente ao seu
todo virginal; começa agora, mas tem condições para ocupar uma bela posição no
teatro.
Tal é a
companhia que se destina a Buenos Aires. Só tenho palavras de inveja para os
nossos vizinhos, que bem podiam ceder-nos a sua companhia por alguns meses.
Assim não há
de acontecer, entretanto; e, ao que ouço, a “voluptuosa coqueta del Plata”
tem em breve de ouvir e ver esses artistas, a quem os dilettanti bonaerenses animarão e pagarão com
entusiásticos aplausos.
O período é
musical; três companhias de canto, a italiana, a francesa e a nacional alternam
as suas representações no mesmo teatro. Os compositores nacionais aparecem.
Acha-se nesta corte, vindo de São Paulo, o Sr. Elias Álvares Lobo, autor da “Noite
de São João”; retirado à sua província natal, o Sr. Álvares Lobo escreveu
uma nova ópera, cujo livreto é devido à pena de um dos nossos jovens escritores
dramáticos; o Sr. Gurjão está no Pará, e deve voltar
brevemente, para fazer cantar uma das quatro óperas, compostas na Itália, terra
da música e dos mestres; um jovem professor, o Sr. J. Teodoro de Aguiar, está a concluir uma
ópera, cujo livreto tem por assunto um episódio da nossa história indígena,
coisa que para alguns espíritos rabugentos é enormemente ridícula. Não sou
dessas suscetibilidades que fazem caretas ao ver um indígena em cena; não quero
saber a que nação e a que civilização pertencem os
personagens; exijo simplesmente que eles sejam verdadeiros, porque
invariavelmente hão de ser belos; “ rien n’est beau que le vrai”, disse Boileau, que, se me concedem, era uma pessoa de muito critério e siso e pensava nestas
coisas um pouco melhor que os censuristas.
Por último, está a
vir da Europa o Sr. Henrique Alves de Mesquita, talento de uma grande esfera,
que mais se ampliou e fortaleceu com a aquisição de sérios estudos, condição
essencial do bom compositor, sem a qual se fica em risco de não passar da
antecâmara da glória, que esquiva e exigente como ninguém.
O Sr. Mesquita já ligou o seu nome à nossa história musical,
compondo algumas daquelas peças
Creio que podemos
dizer: - temos música. E mais – temos animação para os principiantes. Não acaba
o chefe do Estado de ornar o peito do Sr. A. C. Gomes, para quem lhe foi pedida
pela Academia das Belas-Artes uma condecoração? Este ato, olhado como estímulo,
deve garantir os operários da idéia de que serão sempre acolhidos, não só pelas
graças do público, como pelos favores dos poderes do Estado.
Devo dizer, falando
de condecorações, que um artista de outro ramo, o Sr. Victor Meirelles, autor
do belo quadro “ A primeira missa no Brasil”,
obteve da própria inspiração imperial uma condecoração honrosa, em prova de
apreço pelo seu trabalho. O favor honorífico caiu para a pintura como para a
música.
O autor da “Noite
do Castelo” recebeu, finalmente, das mãos de uma senhora, em pleno teatro,
por ocasião de se executar a sua ópera, a batuta de ouro com que o brindaram
várias representantes do sexo amável. O trabalho artístico é de um perfeito
acabado e honra bem as ofertantes.
Na apoteose dos
talentos, bem como no conforto dos que padecem, a
mulher exerce sempre a sua alta missão; tanto galardoa como consola. Reúnem-se
muitas, associam- se para fazer caridade, e por meio de uma noite de folgares e
risos tiram o óbolo, que vão depois depositar no regaço da indigência.
É o que deve
efetuar-se na noite de 12 deste mês. A Associação de Caridade das Senhoras
anuncia para essa noite um concerto vocal e instrumental no salão do Casino Fluminense, cujo produto deve ser empregado no
desempenho dos fins da sociedade. Honra e glória para essas almas evangélicas!
Algum
filósofo esquisito poderá dizer que um egoísmo que infecciona os homens faz com
que estes só abram a bolsa em troco de um prazer, e que o dinheiro que compra o
pão dos pobres comprou antes o divertimento dos abastados. Guarde esse as suas
moedas de Pompéia, que não tem valor na circulação; se não quer parecer
egoísta, não vá lá; a humanidade é assim; as abstrações quiméricas não é que a
hão de modificar, responderemos eu e o meu século.
Muita gente fala em
egoísmo, sem definir propriamente o que ele é. Em minha opinião, que não dou
como infalível, ele vale tanto como instinto de conservação, que reside nas
organizações animais; é, por assim dizer, o instinto moral, que procura para o espírito o que o instinto
animal procura para os sentidos. Vão lá pregar contra o egoísmo aos ingleses;
verão como eles os escovam. O egoísmo é a divisa dos súditos de Sua Majestade a
Rainha, recentemente Imperatriz das Índias; e tanto a observam que fazem muitas
vezes profundas modificações no direito das gentes e no código social das
nações, parecendo que os respeitam.
Para prova do que
digo, deu-se ultimamente em nosso porto, um fato que é nada menos que uma grave
ofensa à soberania nacional. Mal saía a visita da polícia de um vaso
brasileiro, apresentou-se um oficial inglês no escaler de sua nação, exigindo a
sua introdução a bordo! Está me parecendo este caso igual ao Charles
Georges
Esta questão de
visita marítima tolhe-me a palavra e irrita-me a pena. Creio que não poderei
continuar naquele estilo descuidoso e calmo com que comento as coisas. Tenho
uma última notícia a dar. Vi nas mãos de um amigo uma carta da Bahia, em que se
anuncia a próxima vinda de alguns artistas, muito conhecidos do nosso público,
que ali faziam parte da companhia dramática, que, na frase do vice-presidente
daquela província em seu relatório, satisfazia perfeitamente as necessidades da
civilização baiana.
Declinando-lhes os
nomes, faz-lhes a apologia; falo de Gabriela da Cunha e Moutinho de Souza, a criadora de Marco e Margarida Gauthier, e
o intérprete feliz do marinheiro da “Probidade”.
Colocada na
primeira plana dos nossos artistas (e poucos são), a Sra. Gabriela tem sempre
um lugar na capital, em que seus triunfos foram mais celebrados, e onde criou a
sua carreira. Além dela e do Sr. Moutinho, diz-se que
deve também chegar um novo ator, galã de muita aptidão, e, ao que ouço, o
primeiro depois de Furtado Coelho.
Uma não vem talento
em flor, que amanhecia cheio de esperança, e que lá fica debaixo do chão, livre
dos amargores da vida, mas também sem os louros que a esperavam. Aos que a
viram ensaiar aqui os seus primeiros passos sem dúvida se confrangerá o coração
quando não lerem entre os nomes de sua família o nome da Ludovina Moutinho.
Gil.
21 DE NOVEMBRO DE
1861.
Cavaco
— Caridade — Thereza Parodi — Coros do teatro lírico
— A “Resignação”.
Ó pachorra ! Tu és a Circe mais feiticeira que conheço contra quem
não valem todas as advertências de duas Minervas juntas! Adormeci em teu seio,
«amiga velha», como te chamava aquele dom Filinto,
que, além desse, tinha outro ponto de contato comigo, na predileção pelas
trouxas de ovos; adormeci, digo eu, em teu seio, deixei passar a semana sem vir
dizer em letra redonda o que pensava das ocorrências delas.
Não faltou, porém,
quem se encarregasse de comentar, como eu, e com um brilho de que não é capaz
um escritor novel, ou já por crônica, ou já a propósito de música e de
caridade.
E de música foram
últimos dias. De tudo o mais, porém, passou estéril a semana. Música nos
teatros, música nos concertos, por caridade e por prazer.
Pretende Eugênio Pelletan que a mulher, com o andar dos tempos, há de vir a
exercer no mundo um papel político. Sem entrar na investigação filosófica da
profecia, a que dá uma tal ou qual razão a existência
de certas mulheres da sociedade grega e da sociedade francesa, eu direi que é
esse um fato que eu desejava ver realizado, em maior plenitude do que pensa o
autor da “Profession de foi”. Eu
quisera uma nação, onde a organização política e administrativa parasse nas
mãos do sexo amável, onde, desde a chave dos poderes até o último lugar de
amanuense, tudo fosse ocupado por essa formosa metade da humanidade. O sistema
político seria eletivo. A beleza e o espírito seriam as qualidades requeridas
para os altos cargos do Estado, e aos homens competiria exclusivamente o
direito de votar.
Que fantasia! Mas,
enquanto esperamos a realização dessa linda quimera, à mulher cabem outros
papéis, que, se não satisfazem à inspiração de um humorista, podem contentar
plenamente o espírito de um filósofo e de um cristão. É, por exemplo, o da mãe
de família e o do anjo da caridade; adoçar os infortúnios da indigência e
preparar cidadãos para a pátria, que missão!
Cresce o
número das associações de caridade, e as principais organizadas são compostas
de senhoras, que, no meio da abastança, não se esquecem de que há mães de
família, a quem a fortuna não favorece com esses dons que permitem as primeiras os gozos e os cômodos da vida. Essas fazem
grossa coleta de donativos, e, sem temer empoeirar o sapato de cetim no lar do
pobre, vão repartir aos famintos o pão da subsistência que a indigência lhes
negou.
A “Associação de
Caridade das Senhoras” e a “Congregação de Santa Thereza de Jesus” merecem os
mais sinceros encômios pelos fins santos a que se propõem. Se há glória
verdadeiramente real e verdadeiramente cristã, é essa.
Ao lado do
concerto que deu no Cassino a “Associação das Senhoras”, chamaram a atenção dos
“dilettanti”,
nestes últimos dias, os espetáculos líricos da companhia italiana, que nos deu Ernani e Favorita.
Tive ocasião, nos
meus últimos comentários, de falar
Nessa peça
Thereza Parodi ostentou os mesmos esplendores de seu
talento, que já haviam dado ao papel de sacerdotisa gaulesa o cunho das belas
criações, na “cavatina” do primeiro ato, e no
“terceto” do terceiro, sobretudo, seus belos dotes de canto e de arte forma
empregados de um modo, não a satisfazer, mas entusiasmar a platéia.
Dizem que
Thereza Parodi ouviu cantar a Norma à Pasta,
de quem recebeu proveitosas lições. O fato é que o mesmo juízo feito pelos
críticos eminentes à célebre cantarina podem ser aplicados a Thereza Parodi, guardadas as respectivas
distâncias. Nesta, como naquela, a cantora descora diante da trágica; ambas
deram à sua arte esse tom dramático que é o caráter da escola clássica, em
ambas se encontra esse culto inteligente da plasticidade, de que fala Blaze de Bury a respeito
da primeira.
Vendo e ouvindo
Thereza Parodi, nós, que tivemos duas brilhantes
amostras da grande escola em Stolz e De-Lagrange, apreciamos e dispensamos àquela artista
os aplausos com que, honra de um público inteligente, a arte, a grande arte, a
verdadeira arte, costuma ser festejada.
Depois de Ernani e de Norma foi anunciada a Favorita. As palmas com que ao
terminar a execução da ópera de Donizetti foi Thereza Parodi chamada à cena, foram à manifestação de um público
que, sem cuidar de comparações, mostrou apreciar o talento, que, sem pregão nem
motim, veio receber no fundo da América uma confirmação ao batismo que recebera
na Europa.
Os outros artistas,
à parte alguns senões, satisfizeram o público, com especialidade o Sr.
Walter.
Dizem que a gente
experimenta uma certa mudança moral de sete em sete
anos. Consultando a minha idade, vejo que se confirma em mim a crença popular,
e que eu entrei ultimamente no período lírico. É isso o que explica hoje a minha
preferência pelas representações deste gênero, e que me fazem adepto fervente
da música. Como se vê, não me devo em parte lastimar,
porque com esta mudança coincidiu o movimento lírico, que se vai observando na
atualidade.
Oxalá que, a
par do bom que se me dá no velho Provisório, figurassem sempre os coros. Diz
Alexandre Dumas que para os ouvidos se fizeram “Guilherme Tell”,
os pianos de Erard e as trompas de Sax;
evidentemente não se fizeram também os coros do teatro lírico, pelo menos se
tratando de ouvidos bem educados. Há ocasiões em que é preciso muito boa
vontade para ouvi-los à sangue frio.
Uma novidade
dramática aguarda o público: um novo drama do Dr.Achilles Varejão, autor da Época. Como estas coisas não são secretas, e mais ou
menos transparecem, pela louvável indiscrição dos que, conhecendo uma peça, não
se eximem de antecipar a opinião, fazendo o seu juízo, direi que não tenho
ouvido a respeito da “Resignação” senão palavras de louvor e de ardente
aplauso. É uma composição escrita nesse tom familiar, que tornam notáveis muita das composições modernas. Deve subir a cena
esta semana; nos meus próximos “Comentários” farei detalhada análise.
Gil.
25 DE NOVEMBRO DE 1861.
Itália
— Por que não foi um embaixador a Koenigsberg? — Uma
heresia científica — Dois livros — A companhia italiana — Uma carta.
Começo por uma
raridade, não uma dessas raridades vulgares de que fala uma personagem de
teatro, mas uma raridade vulgarmente rara: — o governo de acordo com a opinião.
Os complacentes e os
otimistas hão de rir; não assim os julgadores severos; esses dirão consigo: — é
verdade! — A opinião havia acolhido com entusiasmo a unificação da Itália; o
governo acaba de reconhecer “com prazer” e sem delongas acintosas o novo reino
Italiano. Não é caso de milagre, mas também não é comum.
Afez-se o país por
tal modo a ver no governo o seu primeiro contraditor, que não pôde reprimir uma
exclamação quando o viu pressuroso concluir o ato diplomático a que aludo. E
por que não havia de fazê-lo? perguntará o otimista.
Eu sei! Por descuido, por cortesania, por qualquer outro motivo, mas a regra é
invariável: o governo sempre contrariou a opinião.
Mas a Itália, ouço eu dizer, assenta hoje a sua existência política
nas mesmas bases da nossa: uniu-se para ser a Itália, e escolheu o governo que
achou melhor, como o império se unira para ser o império, e como escolheu por
uma revolução o governo que achou mais compatível consigo e com os tempos.
Quereria o governo brasileiro ser ilógico ou ridículo? Não alcançaria ele a
clareza e a firmeza destes princípios?
Tudo isso é
verdade, mas não menos verdade, é que este absurdo que por tamanho não parece
entrar na cabeça de ninguém, existe na de muita gente. Não há ainda quem espere
pela volta do absolutismo a Nápoles? Quem conte, para confusão dos maus, com a
destituição de Victor Manoel, e do herói de Marsala?
Podem, é
verdade, todas essas coisas acontecer; as vicissitudes humanas concluem muitas
vezes pelo absurdo, e pelo aniquilamento dos mais sãos princípios, mas as
idéias ficam de pé, e o espírito, abatido, embora, não abdica de si.
Não creio, ninguém pode crer, para honra nossa, que no espírito
do governo imperial existisse nunca uma convicção contrária ao ato do
reconhecimento. Mas nem por isso se pode contestar, que, por motivos fúteis
embora, o governo poderia, como em outras vezes, comprometer a opinião do país
com uma nação estrangeira.
E que nação,
a Itália! Uma das que a providência das nações destina para ser um guia da raça
latina, e conduzi-la através dos séculos ao aperfeiçoamento moral e intelectual
de que ela é capaz. Seria lamentável, mas seria possível, e daqui vem que a
imprensa e o país louvam todos os atos do governo.
Existirá
nesse elogio contra as intenções do país, que o fez de coração, um amargo epigrama? De quem a culpa? Do governo e só do
governo. Avezado a remar contra a opinião, este mau
timoneiro, se alguma vez volta o batel à feição da corrente dos espíritos, é
logo objeto de mil cumprimentos, que lhe devem doer mais do que dobradas
chufas.
E ele anda
agora em maré de epigramas; alguns bem bons nos lançaram os alemães, a
propósito de não haver na coroação do rei Guilherme um embaixador brasileiro,
bem que aquele soberano não ficasse nem meio minuto à espera de
que o Brasil tomasse parte na função.
Ora, o
império foi realmente descortês e não praticou um ato de boa política.
Abstraindo da importância da farsa de Koenigsberg, tratava-se de uma potência de primeira ordem, de um soberano amigo, e de uma
fonte onde vamos procurar colonos quando precisamos lavrar nossas terras. Se
não bastavam as duas primeiras considerações, a última devia de ser digna de
reparo do governo. Por que não atendeu a ela?
Já ouvi, por
suposição, que o governo não quis sem dúvida fazer gastos enormes, a bem de
manter convenientemente um embaixador nosso, naquela estrondosa cerimônia. Mas,
se é preciso atender a essa tristíssima contingência, se o bom senso do governo imperial chega a descobrir estas
dificuldades, porque não o ilumina a providência, detendo-lhe a mão quando, com
largueza, envia certas comissões a Europa, e dão ajudas de custo a presidências
de províncias, despesas improdutivas, e diametralmente opostas ao programa do
gabinete? Essas migalhas fariam um pecúlio para dar que gastar ao nosso
embaixador, que demais, não precisava dar saraus estrondosos nem ostentar a
suntuosidade com que a França se representou na pessoa do duque de Magenta.
A conclusão
forçada de tudo isto é que o governo foi descortês.
Vale-lhe,
porém, a inspiração com que se apressou a respeito da Itália, a negação que fez
das regras comezinhas de polidez internacional.
Outro tanto pudesse
eu opor à negação da ciência em favor do empirismo, que no meio de uma
corporação fez o diretor da Academia de Medicina. Ouvi bem, ó vindouros, o
diretor de uma Academia de Medicina!”Où la direction d'une académie va-t-elle se nicher!”
Mas não pasmemos,
leitor amigo. Negar a ciência é negar a esposa, com que se contraiu, depois de longo
estudo, o consórcio íntimo do espírito e dos princípios. Mas negar a
publicidade, negar a discussão, que são a alma do sistema representativo,
equivale a negar a liberdade, a negar a própria mãe.
Ora, se o
leitor recorrer aos “Anais” da sessão legislativa deste ou do ano
passado, há de ler no discurso de um membro da câmara vitalícia a mais
extravagante proposta, onde se suprimiam ou restringiam profundamente aquelas
duas condições de um sistema livre. Depois disto há que admirar? Lembra-me
aquele quimérico de Jules Sandeau, que vendo a
causa da queda dos governos nos próprios governos, suprimia-os, para acabar com
este inconveniente, bem como suprimia as leis, afim de se não atentar mais
contra elas . . .
Felizmente o senso
comum faz ouvidos de mercador, e o senador diretor prega debalde aos peixinhos.
Os tipos deste
gênero são mais vulgares do que muita gente pensa: — espíritos medíocres, não
podendo abraçar a amplidão do espaço em que a civilização os lançou, olham
saudosos para os tempos e as coisas que já forma, e caluniam, menos por má
vontade que por inépcia, os princípios em nome dos quais se elevaram.
Deixando de parte
esses entes passivos que não podem servir de tropeço à marcha das coisas, acho
melhor voltarmos à folha nas ocorrências da semana.
Representou-se, há
tempos, um drama no teatro Ginásio intitulado “Sete de Setembro”, em que
o Sr. Dr. Valentim Lopes apareceu no nosso mundo das letras. Esse drama acaba
de ser publicado agora
Também um outro trabalho, que só é novo na forma por que acaba de
ser publicado, é o “Pequeno Panorama” do Sr. Dr. Moreira de Azevedo,
coleção de pequenos artigos que viram à luz pela primeira vez nas colunas do “Arquivo
Municipal”. É um volume precioso, onde a história de muitas cidades e
monumentos nossos se acha escrita, sem pretensão, mais com visos de
apontamentos que de brilhantes monografias.
Não é o primeiro
serviço deste gênero que o Sr. Dr. Moreira de Azevedo presta as letras
pátrias.
Nisto cifra-se o
movimento da literatura propriamente dita da semana anterior.
Tivemos no
sábado a “Norma” pela companhia italiana. Foi noite da despedida. Já se
havia dado o “Ernani” por última récita, mas como verdadeiras moças em
visita, o público e a companhia quiseram trocar os últimos amplexos no topo da
escada. Também foram os mais ardentes e entusiásticos. Posso dizer em minha
consciência de comentarista sincero, que foi essa a melhor representação da companhia
italiana. Em nenhuma das vezes anteriores a Sra. Parodi se elevou a tanta altura no papel da sacerdotisa gaulesa.
O paquete do Prata levou ontem esses artistas que de passagem nos
fizeram gozar algumas noites de verdadeiro e completo prazer. Ouço dizer que
devem voltar em maio e passar aqui o inverno: Deus o queira.
Tenho em mão uma
carta de um amigo a propósito dos meus penúltimos “comentários”. Em dicção
castigada, e com aquela energia dos observadores severos, fez o meu
correspondente algumas considerações, que, se devo penetrar no vago da carta,
são aplicados à situação em que se acha a nossa arte
dramática.
Bem que a
magnanimidade do mestre o levasse a dizer que de minhas migalhas se sustenta,
declaro aqui, que não migalhas, mas sim escolhida e boa iguaria traz ele à mesa
do pobre operário, sem prestígio, sem saber, e talvez sem talento.Agradeço-lhe
a carta e as atenções.
Termino anunciando
a próxima publicação de uma revista semanal – A “Grinalda” – onde cada um pode levar
a sua flor e a sua folha a entrelaçar.
Redige-a o Sr. Dr.
Constantino Gomes de Souza, cujas aptidões se acham já reconhecidas pelo
público, e que deve cumprir o programa a que se propõe.
Gil.
1 de dezembro de 1861.
O que
ficou provado a respeito da Itália – Exposição nacional – Morte de um general – A Resignação – “La Dame Blanche” – Comissão para teatro – Ainda o Sr. Senador Jobim.
Está acabada a
questão do reconhecimento da Itália. Evidenciou-se pela discussão da imprensa
que o governo quis atenuar um pouco a coragem com que reconheceu a Itália,
trazendo à imprensa considerações que não respiravam a dignidade nem estavam
revestidas da lógica que deve assistir aos atos de um governo livre.
Em bom e leal
português chama-se a isto – acender uma vela a Deus e outra ao diabo. Ou, se
quiser ainda recorrer à filosofia popular – desmanchar com os pés o que se fez
com as mãos.
Supunha-se
que o gabinete tivesse olhado as coisas políticas da Europa de um ponto de
vista justo, e, portanto elevado. Era caluniá-lo; e para não haver dúvida veio
ele próprio declarar que faz a sua apreciação do movimento do espírito humano
do alto da varanda do palácio imperial.
Qualquer que
seja o respeito que merece aquele ponto de vista, palpita-me que o mundo é alguma coisa mais larga, e que as idéias pairam um pouco mais
acima dos augustos telhados da monarquia.
Se o governo é dos
que, como rei Guilherme I, ainda andam embebidos pela
idéia de que Deus se ocupa em fazer coroas para constituir direitos que têm
outra fonte real, bem pode renunciar a querer fazer do império uma coisa que
preste, e desde já fica habilitado a tirar diploma de imbecilidade ou de
especulação.
Para isso tem amplo
e indisputável direito.
Será mais um
episódio da sua biografia, já opulenta destes e quejandos.
A festa
industrial que se vai inaugurar amanhã é uma das coisas boas que hão de tirar a
triste monotonia da história do gabinete de 2 de
março.
Bem que ao governo não
caiba o primeiro viço de originalidade desta idéia, que, como se devem lembrar
todos, foi iniciada na assembléia provincial, há anos, pelo Sr. Dr. Macedo,
todavia o mérito da execução é também um mérito, e eu, nos meus princípios de
inteira justiça, não lhe negarei.
A exposição não se
abre completa, por falta de tempo; muitos objetos chegados e por chegar esperam
ainda um lugar nessa primeira e grande étalage das nossas forças agrícolas, industriais e artísticas.
Do Pará temos
ainda as belas madeiras e os magníficos produtos naturais, que fazem daquela
província uma das primeiras do império. De Minas há ainda que expor e, como desta, de outras.
O exemplo do
governo, ao que parece, será fecundo. Já
Ainda bem que por
toda parte vai ganhando terreno esta bela usança, que é uma verdadeira força de
progresso e de civilização.
Mercê de Deus, não
é capacidade que nos falta; talvez alguma indolência e certamente a mania de
preferir o estrangeiro, eis o que até hoje tem servido de obstáculo ao
desenvolvimento do nosso gênio industrial. E pode-se dizê-lo, não é uma simples
falta, é um pecado ter um país tão opulento e desperdiçar os dons que ele nos
oferece, sem nos prepararmos para essa existência pacífica de trabalho que o
futuro prepara às nações.
Poupo ao leitor uma
dissertação que tinha muito lugar agora sobre essa existência, que é o sonho
dourado dos filósofos verdadeiramente amigos da humanidade.
Quero antes voltar
folha, e convidar o leitor a acompanhar-me na dor que, à sua classe
particularmente, e ao país em geral, acaba de causar a morte de um distinto
militar – o general Pereira Pinto.
Há uma coisa de
particular e de tocante nos passamentos como este; quando um companheiro de
perigos, com quem se correram os azares da fortuna da guerra, deixa o campo
para refugiar-se na morte, a dor dos membros dessa classe tem alguma coisa de
mais profundo, e infunde maior emoção nos ânimos. É simples: a comunhão do
perigo, a partilha dos revezes, ligam mais
profundamente os homens, e afluem mais intimamente as almas.
A classe militar
perdeu um membro valente; chora-o por isso; e, com ela, o país de quem foi um
honrado servidor.
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Esta linha de
pontinhos indica que vou passar a assuntos de outro gênero, para os quais não
achei uma transição capaz.
A franqueza não
será das minhas menores virtudes.
Fui ao Ginásio ver o
drama do Dr. Varejão, A Resignação. Bem escrito, contendo lances
dramáticos de efeito, esta composição está no caso de merecer o aplauso dos que
sinceramente apreciam o desenvolvimento literário do país, naquela
especialidade.
Há incerteza e
incorreção nos traços das suas personagens, pode-se mesmo dizer que elas pela
maior parte estão apenas esboçadas; mas este é o resultado legítimo das
proporções acanhadas que o autor deu ao seu drama, e descorado das partes
ressente-se do campo estreito em que aprove ao poeta fechar-se.
Aconteceu com a Resignação o contrário do que se deu com a Época. Nesta, a ação está rarefeita,
diluída nos cinco atos em que o autor a dividiu; na Resignação, a ação
aperta-se, acanha-se, concentra-se.
Mas, se há pontos
vulneráveis na peça, há também belezas dignas de apreço. Do autor da Época e da Resignação podemos, portanto, esperar composições, em que,
desaparecidos os senões dos seus primeiros ensaios, se reproduzam e porventura
centupliquem as qualidades superiores que lhe serviram de valioso diploma ao
entrar na literatura dramática.
A companhia
francesa deu-nos no Lírico a ópera de Boieldieu
Estou no capítulo
dos teatros; cabe mencionar aqui a nomeação de uma comissão que o governo acaba
de fazer para examinar o contrato com o teatro subvencionado, e dar a sua
opinião sobre a celebração de um que encaminhe o teatro a melhoramentos mais
reais.
Essa
comissão, composta dos Srs. conselheiros José de Alencar e Drs. Macedo e João
Cardoso de Menezes e Souza, acham-se com a iniciativa de uma verdadeira
organização teatral. Os seus membros dispõem de talento e conhecimentos
próprios à bem de completar um trabalho desta ordem.
Fora inútil
apontar aqui os títulos do Dr. Macedo, a pena já vigorosa, já faceta, que tanto
tem enriquecido o teatro, e o escritor dos mais populares da literatura
nacional; os do Sr. Conselheiro José de Alencar,
romancista e dramaturgo elegante; e os do Sr. Dr. João Cardoso, poeta mavioso e
prosador correto. O teatro é uma coisa séria, carece de muito trabalho e de
muita constância. Em uma terra onde tudo está por fazer, não seria teatro,
cópia continuada da sociedade, que estaria mais adiantado. A este respeito, não
nos iludamos, é preciso trabalhar inteligente e conscientemente.
Aproveitem os
esforços já tentados e construa-se um edifício sólido e duradouro.
Antes de
pingar o ponto final, permita-me o leitor que eu retifique um erro que me
escapou nos comentários últimos. Quando falei de um personagem que preferia a
ciência dos selvagens à ciência das academias, o que prova bem que lhe assiste
o direito de ser colocado entre os primeiros, disse – diretor da Academia de
Medicina – em vez de – diretor da Faculdade.
E, já que
falo no diretor, lembra-me esse trecho de um discurso de S.Excia., em que a palavra cloaca era repetida, sem embargo
da presença das augustas personagens, em sessão pública e solene. Nem ao menos,
o sexo delicado, que ali tinha um régio representante, mereceu de S. Excia. uma consideração de
deferência e atenção.
Se o bom do
homem é retrógrado em ciência, em cortesia mostra uma simplicidade rústica,
digna dos primeiros tempos da humanidade.
E é senador,
e é diretor de uma Faculdade!
Où la science et la pairie vont-elles se nicher !
Gil.
16 DE DEZEMBRO DE
1861.
A lei
das condecorações – O sr. Ministro
do Império – O fim do decreto – Escola-normal de teatro – Nada de concorrência
– Os fins do teatro – Sufrágios pelo rei de Portugal.
Dizia um filósofo
antigo que as leis eram as coroas das cidades.
Para
caracterizá-las assim deve supor-se que leis sejam boas e sérias. As leis más
ou burlescas não podem ser contadas no número das que tão pitorescamente
designa o pensador a que me refiro.
A folha
oficial deu a público um decreto que reúne as duas condições: de abusivo e de
ridículo; é o decreto que regula a concessão de condecorações. A imprensa
impugnou o ato governamental, e à folha oficial foram ter algumas respostas,
com que se procurou tornar a coisa séria.
Mas se a
coisa era burlesca e má, má e burlesca ficou; as interpretações dos sacerdotes
não trouxeram outra convicção ao espírito do vulgo. Devo todavia notar que a má impressão produzida pelo regulamento das
condecorações diminuiria se tivesse atendido para o nome do ministro que firmou
o decreto.
Benza-o Deus, o Sr. Ministro do Império não é, nunca foi, e muito menos
espera ser uma águia. Adeja na sua esfera comum, tem por horizonte a beira dos
telhados da sua secretária, e deixa as nuvens e os espaços largos a quem
envergar asas de maiores dimensões que as suas.
Isto no gabinete,
isto na tribuna; o homem da palavra luta de mediocridade com o homem da pena,
e, força é dizer, quando este parece que suplanta aquele, aquele vence a este,
para de novo ser vencido.
Por isso há de dar
água pela barba a quem descobrir qual dos dois é mais vulgar.
Se tivesse atendido
a esta circunstância, o pasmo não teria sido tão grande, porque está escrito
que o fruto participa das qualidades da árvore, e o tal decreto devia doer mais
ao Sr. Ministro do que se pensa. S. Excia. levou seu tempo a trabalhar
naquela obra, não comunicou a ninguém a novidade que ia dar, pelo menos não
houve esse zum-zum que precede, as mais das vezes,
aos atos do poder, e um belo dia disse consigo: - “Vou causar uma surpresa a
estes queridos fluminenses: amanhã pensam ler na folha oficial uma cataplasma
árida do expediente dos meus colegas, e eu dou-lhes este acepipe preparado por
minhas bentas mãos”. E publicou-se o regulamento.
Ora, cuidar que
depois da sua obra a musa da história o receberia nos braços, e ver que ele
teve o mais triste dos acolhimentos, o do ridículo, é um transe duro de sofrer,
e maior do que se houvesse ligado pouca importância ao resultado das suas
lucubrações.
Cada ministro gosta
de deixar entre outros trabalhos, um que especifique o seu nome no catálogo dos
administradores.
A matéria das
condecorações seduziu o Sr. Ministro do Império ;
datavam de longe os decretos que a regulavam, o Sr. Ministro quis reunir esses retalhos
para fazer o seu manto de glória, e organizou um regulamento geral.
O primeiro artigo
desse regulamento espantou a todos, porque exigiu 20 anos de serviços não
remunerados, para concessão de uma condecoração, era murar a grande porta das
graças, e fazia admirar que o governo com as próprias mãos quebrasse uma das
suas boas armas eleitorais.
O art. 9.º
restabeleceu os ânimos; muravam a grande porta, é verdade, mas abriam um largo
corredor, ou antes, reconheciam e legalizavam essa via de comunicação aberta
pelo abuso.
O governo quis ser
esperto, mas o público não se deixou cair no laço armado à sua boa fé.
Não vá agora o
leitor pensar que me pronuncio assim porque considero a concessão de graças o
sumo bem que pode desejar toda a ambição do coração humano!Deus me absolva se
peco, mas eu não penso assim. O que, porém, cumpre dizer em honra da verdade, é
que o decreto de 7 de dezembro é uma lei manca e
burlesca.
Entre os atos de
nulo valor do governo ocupa esse um lugar distinto.
Oxalá que ande
ele melhor avisado na organização de uma escola normal de teatro, sobre o que
está uma comissão encarregada de dar o seu parecer.
Espera-se com
ânsia, e pela minha parte, com fé, o resultado do estudo da comissão, porque a
matéria apesar de importante não foi até aqui estudada.
Entretanto, antes
que tenha aparecido o trabalho oficial, já uma opinião se manifestou nas
colunas do “Correio Mercantil”.
Essa
opinião sinto dizê-la, devia ser a última lembrada, se merecesse ser lembrada.
A doutrina liberal
de concorrência aplicada à espécie prejudica o ponto essencial da questão, e
que se tem em vista atingir.
Criar no teatro uma
escola de arte, de língua e de civilização, não é obra de concorrência, não pode
estar sujeita a essa mil eventualidades que têm tornado, entre nós, o teatro
uma coisa difícil e a arte uma profissão incerta.
É na ação
governamental, nas garantias oferecidas pelo poder, na sua investigação
imediata, que existem as probabilidades de uma criação verdadeiramente séria e
seriamente verdadeira.
Uma
legislação emanada da autoridade, a reunião dos melhores artistas, a escolha
dos mestres de ensino, a criação de escolas elementares de ensino, onde se
aprenda arte e língua, duas coisas muitas vezes ausentes de nossas cenas, a boa
remuneração ao trabalho dos compositores, um júri de julgamento de peças, em
boas bases, ficando extinto o conservatório, tudo isto sem descuidar-se na
flutuação das receitas, tais são os fundamentos, não de um teatro-escola, mas
do teatro, na sua acepção mais abstrata.
Virá o
estímulo, os outros aprenderão no primeiro, e arte torna-se um fato, uma coisa
real.
Mas deixar à luta
individual a criação de uma escola nas condições exigidas,
equivale a não criar coisa nenhuma. E se alguma coisa se fizer há de ser
em demasia lento.
Não, o teatro não é
uma indústria, como diz a opinião a que me refiro; não nivelemos assim as
idéias e as mercadorias.
O teatro não é um
bazar, e se é, que estranhas mercadorias são estas,
chamadas Othelo, Athalia,
Tartufo, Marion Delorme e Frei Luiz de Souza, e
como devem soar mal, nos centros comerciais, os nomes de Shakespeare,
Racine, Molière, Victor Hugo e Almeida Garrett.
Não é o teatro uma
escola de moral? Não é o palco um púlpito?
Diz Victor
Hugo no prefácio da Lucrecia Borgia: “O
teatro é uma tribuna, o teatro é um púlpito. O drama, sem sair dos limites
imparciais da arte, tem uma missão nacional, uma missão social e uma missão
humana. Também o poeta tem cargo de almas. Cumpre que o povo não saia do teatro
sem levar consigo alguma moralidade austera e profunda. A arte só, a arte pura,
a arte propriamente dita, não exige tudo isso do poeta; mas no teatro não basta preencher as condições da arte.”
Estou certo de que
a comissão e o governo não entregarão à concorrência a criação de uma escola
normal de teatro. Isto no pressuposto de que a nomeação da comissão não foi uma
fantasia do autor do decreto das graças.
Dito isto,
passemos a outras coisas. Mas o quê?Depois da minha última revista, nada se deu
que mereça uma menção ou um comentário.
O que de mais
notável sei, é que se continua a celebrar missas e ofícios fúnebres pelo rei D.
Pedro V; na sexta-feira foi o do cônsul de Portugal, hoje é o da sociedade
Portuguesa de Beneficência Dezesseis de Setembro, o da Dezoito de
Julho, o da Igualdade e Beneficência, e de uma comissão da Prainha.
Folgo por ver que
nestas homenagens prestadas à majestade morta, fala menos o ânimo dos vassalos
que o coração dos amigos e admiradores das virtudes daquele ilustre soberano
24 DE DEZEMBRO DE
1861.
Paula Brito –
Questão diplomática – Palinódia do ministério
-O Sr.Ministro do Império e a “Gazeta da Tarde” – Os homens sérios; reentrada da
artista Gabriela – Partida da companhia francesa – o Sr. Macedo Soares –
Colégio da Imaculada Conceição.
Mais um! Este ano
há de ser contado como um obituário ilustre, onde todos, o amigo e o cidadão, podem ver inscritos mais de um nome caro ao coração e ao
espírito.
Longa é a lista dos
que no espaço desses doze meses que estão a expirar, tem caído ao abraço
tremendo daquela leviana, que não distingue os amantes, como diz o poeta.
Agora é um homem
que, pelas suas virtudes sociais e políticas, por sua inteligência e amor ao
trabalho, havia conseguido a estima geral.
Começou como
impressor, como impressor morreu. Nesta modesta posição tinha em roda de si
todas as simpatias.
Paula Brito foi um
exemplo raro e bom. Tinha fé nas suas crenças políticas, acreditava
sinceramente nos resultados da aplicação delas; tolerante, não fazia injustiça
aos seus adversários; sincero, nunca transigiu com eles.
Era também amigo, era, sobretudo, amigo.
Amava a mocidade,
porque sabia que ela é a esperança da pátria, e, porque a amava estendia-lhe
quanto podia a sua proteção.
Em vez de morrer,
deixando uma fortuna, que o podia, morreu pobre como vivera graças ao largo
emprego que dava às suas rendas e ao sentimento generoso que o levava na
divisão do que auferia do seu trabalho.
Nestes tempos
de egoísmo e cálculo, deve-se chorar a perda de homens que, como Paula Brito,
sobressaem na massa comum dos homens.
........................................................
Nas colunas do “Jornal
do Comércio” continuam a aparecer os contendores da questão diplomática. “Scoevola”, depois de ter feito sacrifício da mão
direita diante de Porsena, anda mostrando que é capaz
ainda de outras coisas muito mais asseadas.
O que é divertido é ver perturbados o remanso e a paz da igreja de Elvas. No dize tu, direi eu, declarações de alta
importância vieram à tona do debate, o que prova desconfianças, e eis que um
novo personagem, com o seu próprio nome, aparece na
discussão, a tomar contas aos indiscretos.
Não entra nas
condições exíguas deste escrito, nem que entrasse, faria uma mais larga
apreciação do debate a que aludo. Menciono apenas como obrigação, e para
prevenir o leitor menos perspicaz de que a coisa vai tomar um aspecto mais
importante do que até agora.
De política é isso
o que oferece algum interesse; no mais, mar morto e calmaria podre.
Não deixarei de
consignar mais uma palinódia do ministério, que pode
chamar-se bem o ministério das palinódias. Já o Sr.
Manuel Felizardo cantou uma na questão dos correios. Suprimiu umas tantas agências, e depois foi restabelecendo-as, já se sabe, com o aplauso
dos beneficiados.
Dizia não sei que
homem de Estado que é de boa política fazer o mal, porque depois toda a
concessão é considerada um bem de valor real. Este preceito não foi mal compreendido
pelo atual chefe da nação francesa, que depois de arrecadar todas as liberdades
públicas, vai agora concedendo, hoje uma largueza à imprensa, amanhã, outra ao
parlamento, e depois outra no sentido da autonomia provincial, e a cada pedaço
que larga à nação faminta, esta aceita agradecida e tece louvores ao seu
protetor.
Também por cá se dá
o mesmo. Preceito tão salutar não podia deixar de ser observado neste país.
Semelhante à dos correios, houve ultimamente uma do Sr. Ministro da Justiça, que acaba de restabelecer por um aviso as prisões que
competem aos oficiais da guarda nacional.
Como sempre
acontece, a reparação foi considerada um benefício
extremo; a guarda nacional agradeceu ao ministério o seu ato, e choveram os
louvores.
Isto provaria
contra o país, se não fosse fato observado em outros países. Por conhecerem da
eficácia do sistema, é que os políticos o empregam; lembremo-nos de que, já na
Antigüidade, Sócrates sentia prazer em começar a perna depois do arrocho.
A este respeito, os
nossos ministros são de boa massa.
O Sr. Ministro do Império, esse, depois do longo e laborioso
trabalho da parturição moral, relativamente ao regulamento das condecorações,
ficou abatido; a crise foi tremenda; as conseqüências não podiam ser
menos.Acha-se em convalescença; o pequeno está bom.
A propósito, lembro-me de uma gazeta que se publica
nesta corte, ao bater das trindades, e que teve a bondade de ocupar-se de
passagem com a minha humildade pessoa foi a propósito da apreciação dos meus
últimos Comentários acerca do Sr. Ministro do
Império.
Acha ela que o Sr. Ministro do Império, longe de ser vulgar na tribuna e no
gabinete, é uma figura eminentíssima tanto neste como naquela ; acredite quem
quiser na sinceridade da gazeta de lusco-fusco, eu não; sei bem que ela..ia
escrevendo um verbo que ainda não adquiriu direito de cidade ; direi por outro
modo : sei que ela faz a corte ao Sr. ministro. Está no seu direito; mas agora,
querer encaracolar os cabelos de S. Excia. à minha custa, isto é que é um pouco duro.
Passemos leitor, ao
teatro.
O Ginásio
representou domingo um drama do repertório português, Os homens sérios, de
Ernesto Biester, para reentrada da Sra. Gabriela da
Cunha.
A reentrada de uma artista
como a Sra. Gabriela não é um fato comum e sem valor; ocorre-me, portanto, o
dever de mencioná-lo nesta revista.
O drama de Ernesto Biester é para mim uma composição de bom quilate. Bem
travado e bem deduzido, interessa, comove, oferece lances bem preparados e
cenas traçadas por mão hábil. Dos dramas que conheço deste autor é este o que
se me afigura mais completo.
Desapareceram nos Homens
sérios os defeitos que eu sempre achei no Rafael. Há na peça de que
trato mais movimento que nesta última, e menos expansão da fibra lírica, que
tornava o Rafael uma elegia, bem escrita é verdade, mas uma elegia, que
não pode ser um drama.
Não menos pelo
escritor se recomendam Os homens sérios; o estilo brilhante e conciso, o
diálogo travado sem esforço, o epigrama fino, a frase sentimental, a expressão
sentenciosa, cada coisa no seu lugar tudo a propósito, tais e outras belezas
são atestadas que Ernesto Biester dá de seu talento,
e que não podem ser recusados por falta de reconhecimento legal.
O papel de Amélia,
a protagonista, é um belo, mas difícil papel: a Sra. Gabriela deu-lhe esse tom
dramático que caracteriza as suas melhores criações.
Os que confiavam no
seu talento (e não há duas opiniões a respeito) não se admiraram; aplaudiram e
sabiam que haviam de aplaudir.
Não esqueceu
o menor toque exigido pelo original do poeta; no 2.º e 4.º atos,
principalmente, esteve brilhante.
Um poeta dizia que
eram flores que a artista deitava à sua antiga platéia. Flores por flores,
também o público as teve, e muitas para pagar as que lhe deu.
Se eu fizesse
crítica de teatros, entraria em apreciação mais detida do desempenho. Mas não é
assim. Só me cabe apontar muito de leve os fatos. O Sr. Joaquim Augusto
acompanhou bem a Sra. Gabriela, no papel de Luiz Travassos, marido brutal no
interior, e delicado e solícito
Devia responder
agora aos dois artigos que, a respeito do Teatro, a concorrência e o governo,
publicaram no Correio Mercantil o Sr. Macedo Soares é o verdadeiro nome
das iniciais M. . S. , com
que saiu o primeiro artigo.
Permitirá o meu
ilustrado e talentoso contendor que eu fuja ao debate; por convicção de erro,
não; por medo, fora possível, se eu atendesse só a minha inferioridade pessoal,
e não à consideração de que estou no terreno da verdade.
Mas a que
chegaremos nós? O Sr. Macedo Soares, nos seus dois últimos artigos, não pôde,
apesar do seu talento e da sua ilustração, demonstrar que o teatro não escapa à
lei econômica, que rege as corporações industriais; eu continuo convencido do
contrário. E pelas condições deste escrito não me é dado estabelecer uma
discussão sobre a matéria; com as minhas espaçadas aparições o debate seria
fastidioso.
Tenho uma
observação a fazer: quando eu disse que a opinião do Sr. Macedo Soares devia
ser a última lembrada, se merecesse ser lembrada, não quis de modo algum
exprimir um desdém, que tomaria as proporções do ridículo, partindo de mim para
com o Sr. Macedo Soares.
Termino
mencionando os belos resultados obtidos no colégio da Imaculada Conceição, do
sexo feminino,
Folgo sempre de
mencionar destas conquistas pacíficas da inteligência; são elas,
hoje, os únicos proveitos para o presente e para futuro.
Fazer mães de
família é encargo difícil; por isso também, quando há sucesso, compensam-se os
espíritos.
29 DE DEZEMBRO DE
1861.
Créditos
extraordinários – Scoevola – O Sr. Penna em missão – Cinna – O
ano novo.
Houve ontem muito
quem se admirasse ao ler, na folha oficial, o decreto abrindo um crédito
suplementar de setecentos e tantos contos ao Ministério da Fazenda.
Isso prova que a
boa fé patriarcal ainda conta neste mundo, raros e preciosos exemplos.
Admirar-se de que,
façam favor? É coisa de admirar que o governo brasileiro abra créditos
extraordinários?
Deu-se, é verdade,
um fato. Fould, o ministro das finanças de Luiz
Napoleão, acabava de condenar esse sistema de créditos suplementares, achando
neles a origem da crise por que passa atualmente a França.
Este fato fez com
que o imperador Napoleão declinasse de si a prerrogativa que lhe havia
concedido o ato de 1851.
A imprensa
fluminense, apreciando essas coisas, estranhou com razão que um país
constitucional, como o nosso, andasse inteiramente ao avesso do que se acabava
de praticar em um país onde a liberdade não existe.
O tom moderno da
apreciando da imprensa não pôde disfarçar o contraste que resultava do
paralelo.
O governo devia
sentir-se tocado, pelo acúleo da consciência, e ver que, de fato, a situação
desgraçada a que chegamos procedia também das despesas inúteis a que havia ocorrido
com os créditos suplementares.
Se a causa da
doença era a mesma, idêntico devia ser o remédio.
Contava-se,
portanto, que o governo ia estudar mais profundamente a situação e as
necessidades, e que não apelaria para os créditos suplementares, tão de fresco
condenados, por um governo que nada tem de simpático ás constituições, e que
procedeu como não procedem aos governos constitucionais.
Contava-se mal. E a
prova é que, ou por convicção da necessidade do crédito ou por pirraça (expressão novissimamente introduzida no vocabulário político
pelo Sr.Sergio), apareceu ontem, na folha oficial, um
decreto abrindo um crédito extraordinário de setecentos contos.
Quereria o governo
com o seu ato contrariar o memorial Fould,
fazendo crer que nos créditos suplementares é que está o ideal financeiro, e
que só neles repousam a paz pública e a felicidade nacional?
Aqui hão de me
perdoar. De um ato do nosso governo só a China poderá tirar lição. Não é
desprezo pelo que é nosso não é desdém pelo meu país. O país real, esse é bom,
revela os melhores instintos; mas o país oficial, esse é caricato e burlesco. A
sátira de Swift nas suas engenhosas
viagens cabe-nos perfeitamente. No que diz respeito à política, nada temos a
invejar ao reino de Liliput.
Scoevola, que é hoje o
compadre indiscreto, anda fazendo revelações dignas de toda a consideração do
país.
É preciso notar que
este valente romano mora modestamente nos “A pedidos” já sem aquela gala
do entrelinhado, que lhe dava ares de filho direto do Olimpo.
Com esta aparência
continua ele a protestar que as suas opiniões não partem de origem oficial.
A revelação de
ontem é de peso.
Trata-se de uma
missão diplomática, confiada em segredo, entre outras incumbências, ao Sr. conselheiro Penna, que partiu para Mato-Grosso,
província que vai presidir.
A missão é conversar com o presidente Lopez, e também tocar em Montevidéu, Buenos Aires e Rosário, para
refrescar e ver terra.
O Scoevola pergunta se é verdade isso. A
filiação íntima que o herói romano tem com os páter-famílias dá o direito de responder afirmativamente.
Aqui temos,
portanto, o Sr. Conselheiro Penna estreado na
diplomacia, bossa que até aqui não se lhe havia descoberto, e que o governo, que
é capaz de descobrir palpitações em um defunto, acaba de apresentar aos olhos
do país.
Há certas fortunas
políticas de nossa terra que não têm explicação. A do Sr. Conselheiro Penna é uma delas.
S. Excia. pertence a parte medíocre
do senado, onde tem mostrado que é um dos poucos capazes de desbancar o Sr.
Ministro do Império, e tirar-lhe as honras de vulgaridade, a que aliás tem um
título incontestável, e incontestado, exceção feita do Correio da Tarde e
da consciência de S. Excia.
Homem de minúcias e
observações limitadas sobre um ou outro ponto ínfimo, S. Ex. estará tão bem em
uma secretaria quanto se acha mal na grave curul de
pai de pátria.
No senado, sempre
esteve alistado na milícia que tem por ofício esmerilhar a conveniência da
expressão, o cabimento da vírgula, a necessidade do período. As naturalizações
de estrangeiros, a criação de paróquias, a concessão de loterias, eram o seu
forte. A apreciação moral das leis, o exame filosófico dos atos do parlamento,
a avaliação política dos atos do governo, nada disso existiu nunca para S. Excia.
Entretanto, a fada
política do Sr. Penna tem sido constante em protegê-lo , e como que vive da mediocridade do afilhado.
Conta Hoffmann de um anão que, protegido por uma fada que se compadecera dele, elevou-se às
mais altas posições do Estado.
Cinabre, era seu nome,
recebeu de sua madrinha a faculdade de fazer passar as suas inconveniências e
defeitos físicos e morais para os outros, recebendo dos outros, todas as boas
qualidades, já do corpo, já do espírito. Graças a esta troca obtinha tudo e não
havia concorrência com ele.
Não creio que a
fortuna do presidente de Mato Grosso provenha deste milagre; mas, a julgar
pelas aparências, faz crer que é assim.
Seja como seja, as
palavras de Scoevola merecem toda a
confiança, e é certo que temos um diplomata de mais.
Este incidente da
conversa com o presidente Lopez tira-me o prazer de ocupar-me um pouco com o Scoevola, a respeito do interesse que S. S.
está tomando pela sorte das repúblicas vizinhas, tornando-se até procurador das
Altezas em disponibilidade.
Outros tratarão
melhor do que eu.
Passemos a outra
coisa.
Representou-se
quinta-feira, no teatro de São Pedro, a tragédia Cinna,
de Corneille.
A tradução é do Sr.
Dr. Antonio José de Araújo. Pareceu-me, tanto quanto pude ouvir na primeira
representação, um trabalho cuidado e feliz. E, bem que o emprego de versos
agudos traga algumas vezes a desarmonia e o enfraquecimento à poesia, há
trechos de um completo acabado, já na harmonia poética, já na fidelidade da
tradução.
O Sr. João
Caetano, no desempenho do papel de Augusto, deu mostra dos melhores dias
do seu talento. O seu gesto foi sóbrio e adequado, a sua declamação justa e
grave.
Esta justeza da
declamação não teve a Sra. Ludovina no papel de Emília. Se acompanhasse com a declamação o seu gesto, sempre nobre e acadêmico, teria
satisfeito às exigências do papel.
Os outros papéis
couberam a diversos artistas; ao sair do teatro, depois da representação,
trouxe um pesar na alma: lamentei que Corneille não se tivesse conservado a advogar na sua província, sem se lembrar de
escrever tragédias.
O porquê, direi
depois.
No mesmo teatro
representa-se hoje um drama novo de autor nacional, intitulado Os grandes da
época ou A febre eleitoral.
Devo despedir-me
dos leitores até para o ano. O de 1861 está a retirar-se, e o de 1862 bate à
porta.
Como todo ano novo, este antolha-se rico de
esperanças, com uma cornucópia inesgotável de felicidades.
Como todo o ano
velho, o de 1861 desaparece coberto de maldições.
Poupo a humanidade
umas apreciações satíricas que vinham muitas a propósito nesta ocasião.
Quero antes
acompanhar os desejos gerais, e crer que o ano novo há de ser melhor que o de
1861, e a fé que acharei razão para dizê-lo.
Em sinal de
regozijo pela chegada do ano novo, aconselho aos pais, aos maridos, e. . . aos namorados, um passeio pela rua do Ouvidor, onde
encontrarão nos mostradores dos armazéns com que presentear as respectivas
metades de suas almas.
Não incorram
naquele crime, crime sim, do avarento, de que reza este epitáfio:
Ci-gist, sous ce marbre blanc
Le plus avare homme de Rennes
Que trépassa le jour de l’an
De peur de donner des étrennes.
Comprar por um presente,
neste dia especial, o silêncio dos satirizadores deste mundo, creia-me, ó pais de família, é a mais barata das permutas deste
mundo.
Entretanto, a uns e
a outros, presenteados e presenteadores, desejo de coração felicíssimas
estréias e vida, para nos vermos no fim do que vai entrar, eu aqui, a comentar a semana, e vós, leitores, a dar-me um pouco da
vossa atenção.
7 DE JANEIRO DE 1862.
O que
é o público — Guerra da Inglaterra e Estados Unidos — O publicista dos comunicados — A pedra fundamental e o “Correio da Tarde” — O Sr. Candido
Borges.
Bem se podia
comparar o público àquela serpente — deus dos antigos mexicanos — que, depois
de devorar um alentado mamífero, prostra-se até que a ação digestiva lhe tenha
esvaziado o estômago; então o flagelo das matas corre em busca de novo repasto,
emborca novo animal pela garganta abaixo e cai em nova e profunda modorra de
digestão.
Esquisita que
pareça a comparação, o público é assim. Precisa de uma novidade e de uma grande
novidade; quando lhe aparece alguma, digere-a com placidez e calma, até que
desfeita ela, outra lhe fica ao alcance e lhe satisfaz a necessidade imperiosa.
Como o réptil
monstro de que falei, o público não se contenta com os
manjares simples e as quantidades exíguas; é-lhe preciso bom e farto
mantimento. Nada de notável havia ocorrido ultimamente que satisfizesse esta boa coletiva que tudo devora. Os comunicantes do Jornal do Comércio é que faziam as despesas da curiosidade pública; mas facilmente se compreende
quanto isso era mesquinho para ocorrer às necessidades daquele estômago voraz.
O paquete trouxe
com que dar que fazer ao espírito público: a notícia de uma guerra iminente,
entre duas grandes potências, caiu como uma bomba no
meio das nossas inocentes e ligeiras preocupações.
Era uma notícia
cheia, como se quer: uma guerra homérica que fará acordar os tritões adormecidos nas suas cavernas seculares, desde os
últimos poetas das Arcádias. Nem mais nem menos. Dois
rivais em face; dois dragões marinhos, que, depois de haverem refeito as
forças, cada um na sua região, se encontram afinal, no meio do oceano, para uma
luta de morte. Há assunto para inspirar as liras dos Homeros.
Compreende-se bem
que, com uma nova destas, o público deixaria de parte
os ligeiros entremets que a nossa
política lhe oferecia. Haverá guerra? Não haverá guerra? Eis a preocupação
geral; as conseqüências da luta, a gravidade dos fatos, o exame do direito,
tudo isso dá que fazer ao espírito público.
Parece que os arautos
políticos da parte não oficial do Jornal do Comércio compreenderam bem a
situação, porque, desde então, nenhum mais apareceu no posto do costume.
Um dia antes Scoevola havia começado uma série de artigos
sobre o casamento da princesa imperial, prometendo discorrer para diante,
acerca da conveniência de diversos partidos de casamento, que possam oferecer à
herdeira da coroa brasileira. Até agora, nada.
Pois é pena! Estava
divertido com os seus protestos de queimar a mão, e com as mesuras repetidas
que fazia diante do augusto assunto de que tratava. A mim, se me afigurou ver o
cabeçalho de um Manual de civilidade cortesã.
Valha-os Deus!
Nisto primam eles, e a fé que não é mérito pequeno. Já não é pouco saber um
homem como se há de haver nestas contingências e cortesias obrigadas. Pelo
menos não se corre o risco daquele fidalgo da sociedade beata de D. João V, de
que fala um romance biográfico, o qual perdera muito conceito dos seus, por ter
dado a toalha, em vez das galhetas, ao oficiante a quem servia de
acólito.
Esperemos,
entretanto, pelo final do discurso de Scoevola,
que, como o de Tarquínio, na comédia portuguesa, - Roma exige e tem de ser litografado.
Efetuou-se no dia 1.º
o lançamento da pedra fundamental no baseamento da estátua do primeiro
imperador. O Rocio nesse dia esteve de gala. A cerimônia correu como estava no
programa.
As folhas desse dia
tinham feito uma apreciação retrospectiva dos acontecimentos políticos do ano,
cujas conclusões eram muito desfavoráveis ao partido político que mantém, há
alguns anos, uma ordem de coisas contrária à essência do sistema que nos
rege.
Não convinha que
esse juízo rude, mas sincero, fosse para a caixa de cedro do pedestal, sem um
conveniente tempero. Encarregou-se o Correio da Tarde da obra.
Apareceu como nota
festiva no meio do coro lúgubre da imprensa. Como as vítimas indianas, queria
ser inhumado radiante de plumas e miçangas. Estava
realmente vistoso. Nada esqueceu; biografou os ministros, fez rápida
estatística do que há hoje de mais notável, sem esquecer os principais
advogados do foro.
O Correio da Tarde embalou-se na idéia
de que há de ser aquela arca santa do arcediago de Notre-Dame, capaz de revelar, depois de um cataclisma universal, a idéia do mundo velho, à humanidade
que sobre as ruínas deste aparecer.
Para o Correio
da Tarde tudo neste país vai bem, menos a oposição. Os ministros são feitos
por um só molde que se perdeu, sendo de notar que possuem as mesmas virtudes
que naturalmente o Correio da Tarde há de encontrar-nos que hão de
vir.
É um paladar como
há poucos. A posteridade o apreciará.
Cai-me agora
debaixo dos olhos o expediente do ministério do Império, publicado ontem na
folha oficial.
Vejo ali que o
respectivo ministro oficia ao seu colega da Fazenda, declarando que o
conselheiro Candido Borges Monteiro, jubilado em uma das cadeiras da faculdade
de medicina desta cidade, tem direito ao ordenado por inteiro, por ter mais de
25 anos de serviço efetivo.
Parece estranho
isto. A que vem esta declaração? Deve-se supor que se pôs dúvida em fazer
efetiva a determinação dos respectivos estatutos. Não consta, porém, que o
tesouro caísse em equívoco aritmético.
Onde está a chave
deste enigma?
Uma declaração mais
franca e mais sincera teria obstado a propagação de certos boatos que não fazem
a apologia do governo.
Deus ponha longe de
meu espírito a idéia de crer em tais coisas, mas o vulgo quer os pontos nos
ii.
Não falta quem dê à
língua e diga que o lente, a que se refere o ofício do Sr. Ministro do Império, tendo sido aposentado antes da abertura das câmaras, não
completou os 25 anos, que só se terminaram depois de fechado o parlamento.
Como não podia
acumular os dois lugares, lente e senador, é ainda o boato que fala, julgou-se que se satisfazia o direito e a conveniência
antecipando-se a jubilação.
Vê o governo quanto
isto tem de grave? Em resumo o lente acumulou.
O boato é um ente
invisível e impalpável, que fala como um homem está em toda a parte e em
nenhuma, que ninguém vê onde surge, nem onde se esconde, que traz consigo a célebre lanterna dos contos arábicos, a favor da qual se
avantaja em poder e prestígio, a tudo o que é prestigioso e poderoso.
Trate o governo de
desfazer as suspeitas do boato, restabelecendo a verdade.
14 DE JANEIRO DE
1862.
DIÓGENES
E O CRONISTA – FALTA DE NOTÍCIAS -
PUBLICISTA
CASAMENTEIRO – AINDA O SR. CANDIDO BORGES
Os atenienses riram-se
muito um dia ao ver Diógenes, um doido que vivia em um tonel, saíra com uma
lanterna na mão, à cata de um homem. Era para rir. E aquele povo não deu o
cavaco, porque via no ato do velho filósofo com visos de desdém pelos
contemporâneos.
Rir-se-ão os
Fluminenses se me virem atravessar (perdoa-me, ó Diógenes!), não as ruas da
cidade, mas os dias da semana, com uma lanterna na mão à cata de notícia?
Aqui a coisa é
inteiramente diversa.
Acreditando que o
leitor me procura por desfastio, não ousando pensar
que inspiro avidez ou curiosidade, acho-me sinceramente vexado quando apareço
de alforge vazio, e mais vazia a alma, de com que entreter os ócios do leitor.
Creio que faço o
meu efeito de um touriste ao voltar do Oriente, sem uma nota,sem um desenho, na
sua caderneta de viagem. Tão impossível parece voltar das regiões do berço do
sol, sem uma impressão, com o atravessar sete dias sem haver colhido uma
notícia para comentar.
Pois a última hipótese não é nenhuma coisa de
admitir.
Um elegante folhetinista
dos nossos, achando-se nas mesmas circunstâncias que eu, encabeçou o seu escrito hebdomadário com esta expressão do gordo Sancho: “Diz-me o que
semeaste, dir-te-ei o que colherás”. Aproveito a lembrança , e pergunto se alguma coisa se pode colher deste terreno que se chamou – a
semana passada, - onde nada foi semeado?
Eu podia , é verdade, entreter o leitor com o imortal Romano da
mão queimada, que jurou aos deuses fundir as repúblicas confinantes ao sul do
império em uma monarquia e dá-la em presente a um príncipe da família imperial,
não esquecendo de casá-lo com a Sra. D. Leopoldina.
O publicista casamenteiro não é das coisas que menos riso excitam; pelo contrário, é divertido a mais não poder.
Já declarou que não
quer ser mordomo do novo rei, nem aspira a ser senador no Estado criado por ele
próprio; mas já me parece generosidade de mais, isto de fazer monarquias pelo
simples e honestíssimo prazer de ver a realeza aliada à liberdade.
Sou um pouco audaz
nas minhas investigações , e não poucas vezes tenho
visto que a audácia acaba muitas vezes por dar na cabeça, bem que em alguns
casos seja uma virtude preciosa.
Assim, cheguei a
pensar que Scoevola queria tirar desta solicitude pelas augustas princesas e pelos Estados do Prata as vantagens a que visam todos aqueles que só vêem
este mundo pelo ponto de vista das armarias heráldicas.
A declaração em
contrário de Scoevola em seu último escrito avulta tanto como um caracol. Scoevola, pelos modos, pertence a
certo partido político que não tem sacrificado muito à sinceridade, e tem como
regra de diplomata que a palavra foi dada ao homem para esconder os conceitos e
as convicções.
Terá ele lido no
futuro que a forma monárquica há de vir a estabelecer-se no Rio da Prata, e
quererá desde já mostrar-se o propugnador extremoso dessa idéia, que considera
a única salvadora daquelas repúblicas? A sua vaidade far-lhe-á ver-se desde já
vazado em bronze a figurar no meio de uma praça do novo reino?
Este meio de
perpetuidade alcança longe e alto demais para supô-lo no espírito de Scoevola.
Opto pela primeira
impressão.
Já o governo fez
ver, em comunicado, ao publicista oficioso quanto têm
de inconvenientes os seus escritos a respeito das repúblicas do sul. Realmente
não me parece patriotismo de boa índole a enunciação de projetos que significam
apenas desejos muito individuais, e que não respondem à opinião feita do país.
Por não poucas
vezes, o império tem encontrado da parte daqueles povos agressões relativamente
à política usada com eles, e é verdade inconcussa nos Estados do Sul que o
império tem pretensão de conquistá-los;
Ora a conquista
digna deste século de mútuo respeito entre os povos é aquela que resulta de
certas identidades e afinidades tão flagrantes que a divisão se torna uma
anomalia e a união uma necessidade de vida. Em tal caso não é conquista, é
reparação.
Se fosse este o
caso do império e das repúblicas do sul, ao tempo caberia o trabalho da
realização.
Não é de um
patriota sincero, como se apregoa aquele, caluniar as intenções de seu país
como estrangeiro, deixando entrever, ou antes, falando resolutamente em uma
fundação dinástica que a ninguém passou ainda pela cabeça, suponho eu.
Por outro lado, não
me parece muito bonito tomar por pretexto de invasões pela terra alheia as
augustas princesas, cujos cuidados versam ainda entre os estudos próprios de
sua educação e as distrações próprias da sua idade.
Scoevola tem a boca doce.
Pertence a um partido que não cochila quando quer fazer triunfar (sabe o país
por que meios) uma conveniência; mas ilude-se quando
supõe que a opinião argentina há de fazer sacrifício da sua independência. Os Vera-Cruzes são raros.
O Sr. Candido
Borges reclama agora a minha atenção.
Veio o governo em
respostas ao dizer do boato, que eu denunciei nos últimos Comentários, e
declarou o Diário em completa ignorância dos fatos a que aludi.
Devo observar que
apenas fui eco de um boato, e que foi com uma franqueza e uma singeleza talvez
proverbiais que transferi para letra redonda o que andava na praça pública,
pedindo ao governo uma explicação que restabelecesse a verdade.
O comunicante oficial
declarou desconhecer a importância da censura que corria pela boca pequena em detrimento
do crédito do governo. Sem dúvida que não é problema social ou político, não se
trata da questão da escravidão ou de qualquer outra de máximo alcance; mas
presumo que a acusação surda ao governo de uma infração da lei não é lá tão
ínfima assim que mereça escárnio e o pouco caso da imprensa.
Dizia-se isto; a
imprensa pergunta ao governo se isto é verdade. Creio que é a coisa mais curial
do mundo.
Explicou-se o
governo, ainda bem. Da explicação se conclui que o boato não era tão
inteiramente infundado como se quis fazer supor; houve de fato uma pequena
acumulação, ou antes, pretendeu-se realizá-la.
O ato do Sr. Ministro do Império não merece louvor, como bem diz o comunicante,
porquanto, proporcionar a gratificação aos dois anos e meio que servira o lente
além dos vinte e cinco da jubilação com ordenado somente, quando a lei diz que
o que se jubilar aos trinta anos é que tem direito à metade da gratificação,
seria um sofisma flagrante e de fazer arrepiar ao mais desiludido deste
mundo.
Felizmente, segundo
diz o comunicante, a decisão do governo, sendo contrária ao Sr. Candido Borges,
não fez com que este senhor conselheiro lhe retirasse a sua amizade.
Suponho que há
nisto motivo para alegrarem-se os ânimos e expandirem-se os corações. Este fato
não perturbou o remanso e a paz da igreja d’Elvas.
Ambos conformes, o bispo e o deão, continuarão a
dar e a receber o santo hyssope.
Para alguma coisa
há de servir a amizade política, e ninguém se lembraria de pensar que, por uma
questão de vinténs, o partido conservador sofresse amputação em um de seus
membros; e que membro! Eloqüente quando fala, e eloqüente quando não fala!
26 DE JANEIRO DE
1862.
Retificação
do título – Encerramento da exposição – Poetas e utopias – Morte do Príncipe
Alberto – Morte do duque de Beja – O badalo da igreja
– Petição do sacristão – De Ladrão a
Barão, drama.
Começo retificando:
devia dizer comentários da quinzena e não da semana. Com efeito, pela primeira
vez em minha vida de cronista deixei passar uma semana sem vir dar aos leitores
a minha opinião acerca das ocorrências dela.
Razões
que não podem ser devassadas, e que me tocam particularmente, ocasionaram esta
falta de dever. Como na peça poética de Elmano, se o
canto não vale, valha pelo menos a desculpa.
A sinalefa não deixou de trazer um lado conveniente, e foi
que, se, como costumo, tivesse vindo no prazo competente comentar e apreciar a
semana que findou, com bem pouco teria de me haver.
A semana passada
foi das mais fartas
Caberia aqui
exortar o tribunal julgador dos objetos apresentados à bem cumprir o seu dever,
tendo principalmente em vista os interesses e o crédito do país? Seria isto
antepor uma dúvida, que o conhecimento pessoal de alguns jurados não me
consente, e que o crédito da totalidade deles tornaria intempestiva.
Tenho para mim que
esta primeira participação séria que o Brasil toma na festa industrial de
Londres é de alcance elevado, e suponho que, como eu, estarão todos convictos disso.
Também estou certo
que, se tempo houvesse, se faria uma exposição da escolha dos objetos enviados
a Londres, de forma a dar a conhecer ao público, e de um modo patente, os
serviços do júri.
Infelizmente. Tão
apressada foi esta primeira exposição, tão tarde se lembrou o Sr. Penna de
propor aquilo que já o Sr. Ministro da Agricultura
trazia no interior, que não se podia exigir mais do que foi feito.
Sem dúvida, nas
exposições posteriores, das quais uma deve efetuar-se, ao que me parece, antes
da universal de Paris em 1865, o governo porá mais cuidado em que nada seja
esquecido, para que melhor se alcance o fim destas reuniões anuais de produtos
e forças do país.
Uma coisa ficou
patente com esta primeira exposição, é que as idéias mudam de natureza com as
pessoas e com os tempos. A mesma idéia que agora se realizou, proposta pelo Sr.
Dr. Macedo na assembléia provincial, há anos, foi tida por utopia, e granjeou
ao digno deputado o nome de poeta. Com o Sr. Penna mudaram as coisas; a
utilidade prática da proposta foi reconhecida, e ninguém se lembrou de castigar
aquele senador com chascos afrontosos.
Também o que
faltava era admitir a hipótese de um consórcio entre poesia e o Sr. Penna,
coisas que, na ordem moral, representam aqueles dois pontos que, na ciência
humana, são chamados – eixos do
mundo.
Ainda bem que a idéia
enunciada por um patriota sincero, e só poeta daquela poesia que não pode ser
compreendida pelas mediocridades prosaicas que o cercavam, acaba de ser posta
em prática de um modo que mostrou bem a sua realidade.
Além deste fato,
outro se deu, de que me ocuparei mais adiante, e que pertence especialmente à
ordem literária.
O paquete da
Europa, que aqui chegou à semana passada, trouxe a notícia da morte de dois
príncipes: o príncipe Alberto, de Inglaterra e o infante D. João, de Portugal.
Tinham ambos a estima sincera do seu país. O primeiro, na posição
difícil em que se achava, e que Edmond Texier não
hesita em chamar quase ridícula, soube conquistar essa estima pela iniciativa
tomada nos progressos materiais e morais do Reino Unido, e pela solicitude e
vigilância com que sempre se houve ao pé da rainha, sua esposa, a bem de
amparar o sistema constitucional que faz a primeira força do povo inglês.
Dava arras do seu
amor pelo país até este ponto: “Se os povos, diz Edmond Texier,
gostam do licor açucarado da lisonja, também os reis não deixam de dá-lo a
beber. Uma manhã de inverno, com um frio de doze graus, um capitão que acabava
de jogar e perder a capa, foi encontrado em Newski pelo czar Nicolau: — Por que não trazes a tua capa? — Senhor, porque não faz
frio nos Estados de Vossa Majestade. — O imperador lisonjeado passou sem
insistir. Tinha encontrado um homem que não acreditava no inverno russo. Também
o príncipe Alberto respondia com as suas calças brancas à calúnia propagada
pelos estrangeiros contra o clima da velha Inglaterra”.
A morte do príncipe
consorte foi sentida e chorada com sinceridade. A Inglaterra compreendeu que
havia perdido um amigo, e como tal o pranteou.
Não menos sentida
foi a morte do duque de Beja.
Somente, a nação portuguesa acabava de prantear a morte de dois príncipes, um
deles seu chefe político, e a sucessão dos casos tristes, trazendo ao espírito
suspeito do povo umas desconfianças infundadas, posto que sinceras,
de tal sorte o havia abatido, que a dor foi mais automática que
estrepitosa, mais íntima do que pública.
Tais foram os fatos
de que mais se ocupou o espírito público durante a semana finda.
Transtornarei a
ordem cronológica dos fatos e tomarei agora um que, de fresco, acaba de ser comunicado
à curiosidade pública.
Quero falar da
portaria do Sr. Presidente da província do Rio de
Janeiro a certo vigário, resolvendo umas dúvidas suscitadas por um sino sem
badalo.
Na dúvida de quem havia de tanger o sino a recolher, S. Excia. tomou o partido de incumbir isso ao sacristão ou a outro qualquer empregado da igreja.
Para os que não
leram o aviso a que aludo, poderá parecer isto invenção minha, com o intuito de
criar um novo plano de Hyssope, e assim
inspirar as liras cômicas dos Boileaus e dos Dinizes. Protesto contra uma tal suspeita. O fato é real. Parece questão idêntica a que trouxe
muito tempo separados o bispo e o deão da
igreja d’Elvas, é verdade; mas com isso o que tenho
eu, e o que tem a imprensa?
Algum observador
aparentado com Demócrito poderá achar razão nestas bernardices administrativas, invocando o princípio dos contrapesos e das compensações, e
assim dizer que em país tão grande, territorialmente falando, como este, é bem
que a direção das coisas públicas apresente este aspecto de ninharias e ridiculidades, a fim de estabelecer o alto e malo das
coisas humanas . . .
Deixo aos filósofos
a discussão deste dito.
E pondo de parte a
apreciação do aviso inserirei aqui a petição que me foi comunicada, e que,
segundo me afirmam, foi ou vai ser dirigida pelo sacristão da paróquia ao Sr. Ministro do Império.
Vejam os leitores
as razões dadas pelo peticionário:
Consinta Vossa
Excelência
Que a boca de um
sacristão,
Com aquela
reverência
Devida à alta
função
De uma sagrada eminência,
Exponha um
arrazoado
Contra o aviso
recente
Da inteligência emanado
Do mais sério
presidente
Que ainda foi
nomeado.
Senhor, este caso é
novo;
Faz dar voltas ao
juízo;
Nem há memória
entre o povo;
De modo que é este
aviso
Menos aviso que um
ovo.
Presume Sua
Excelência
Que, por dar bem ao
badalo
No sino da
presidência,
Hei de eu agora
imitá-lo
Ermo da mesma
ciência?
E quer, ajudando o
fado
Na minha
tribulação,
Tornar-me mais
onerado
Fazendo de um
sacristão
Um sineiro
despachado?
E hei de eu, deixando
o leito,
O leite doce e
macio,
A que me acho tão
afeito,
Ir apanhar ao ar
frio
Uma doença de
peito?
E se um dia, ainda
tonto,
Deixando o fofo
colchão,
As horas erradas
conto,
E vou bater o aragão,
Já à meio-noite em
ponto?
Ah! Se ao menos um
badalo
Tivesse o citado
sino,
Então cantara outro
galo!
O fado, menos
mofino,
Não me dera tanto abalo!
Por certos meios
arteiros,
De maior ou menor
fama,
Satisfaria os parceiros;
E sem tirar-me da
cama,
Fora o melhor dos
sineiros.
Uma cordinha
bastava,
Presa ao badalo em
questão,
E a ponta que lhe
ficava
Tê-la-ia em minha
mão,
E tudo se
conciliava.
E um dia, se Deus
clemente
Permitisse à
freguesia,
À vista do
presidente,
Como um pouco de
água fria
A
sequioso doente;
Unido ao prazer
geral,
Livre já do antigo
abalo,
À entrada triunfal
Iria dar ao badalo
Um repique
original.
Seria prêmio mofino
Do mais pobre dos
bedéis
Ao funcionário
ladino
Que no código das
leis
Abriu capítulo ao
sino!
Nem seria a mão da
inveja
Que havia de
despojá-lo
Da glória que tê-lo
almeja,
E que há de enfim
proclamá-lo
Sólon de torre de
igreja.
Mas para isso,
Excelência,
Para tal apoteose,
Carecia a
presidência
Gastar uma nova
dose
De estudo e de
paciência.
Então, deixando aos
vulgares
Os sediços monumentos,
Cortando por novos mares,
Teriam os seus
portentos
Novos, melhores
altares.
Coisa seria
imponente,
Capaz de matar a
inveja,
Poder contemplar a
gente
Em cada sino da
igreja
A efígie do
presidente.
E, se a mente não
erra,
Mostraria a
presidência,
(Que tanta beleza
encerra)
Que, além de Vossa
Excelência,
Ainda há mais gente
na terra
***
Passarei agora a
coisas sérias.
Um novo drama
nacional foi levado à cena no teatro Ginásio. O autor, o Sr. Álvares de Araújo,
é um estreante, cuja inteligência se dirigiu sempre a outra ordem de aplicação,
e que acaba de entrar no teatro aos aplausos dos amigos da arte e da literatura
dramática.
A crítica com os
estreantes deve empregar uma solicitude materna, mostrar-lhe o mau e o bom
caminho, ensinar-lhe a evitar os precipícios e a alcançar o alvo a que todas as
inteligências se dirigem; isto para com o poeta. Para com o público, serve ela
de intérprete da idéia do poeta, defensora mesmo da sua composição, a fim de
animá-lo a tomar vôo mais seguro. Deve ser amiga e, segundo diz Chateaubriand,
empregar mais o louvor que a censura.
Se este último
conceito se dá para a crítica destinada a construir com o poeta o edifício da
sua reputação, até poder um dia, desligando-se dele, ir tomar lugar entre os
espectadores e pedir-lhe conta das suas lições, é ainda o dever da crônica,
cujas atribuições se estreitam na menção das obras, e na manifestação da
impressão recebida.
Ora, só deixam
impressão, mais ou menos viva, aquelas obras, que, encerrando alguma coisa,
recomendam-se por não espúrias, senão legítimas filhas do talento.
De Ladrão a Barão, repousando sobre
uma tese, usada já, qual a de origem criminosa de muita fidalguia empavesada,
revela primeiro que tudo a indignação expansiva de uma consciência diante da
corrupção social. Antes do poeta mostra-se o homem, antes do talento o caráter.
A tese não é nova,
disse eu. Assim é. Não é novo no teatro remontar à origem das fortunas e dos
pergaminhos para encontrar os meios reprovados das dilapidações forçadas e
escandalosas. Mas a insistência dos poetas em tratarem do assunto é tanto mais
necessária quanto à sociedade precisa mais e mais dessas correções vivas e
constantes.
Todavia, escolhendo
tal assunto, o Sr.Álvares de Araújo criou-se uma
dificuldade. Como haver-se com ela, logo da primeira vez que entrava em terra
nova? Mediu o esforço pelo dever do combate e atirou-se ao campo.
Venceu a
dificuldade? Venceu e não venceu. Saiu-se bem no plano geral da peça, mas nos
detalhes a sua mão acusa a inexperiência de primeiro trabalho; as suas figuras,
exceto a do protagonista, que acho vigorosa, todas as mais revelam frouxidão e
incerteza.
A energia máscula
de Elvira dá-se mais a conhecer por tradição que por exibição. E, entretanto,
que belo pensamento não foi o do poeta, dando à mulher o exemplo do castigo dos
maus, e que bela criação, toda ideal embora, não ficaria, com mais algum
cuidado, aquela figura imponente de mulher.
Gustavo Pereira foi
o papel mais cuidado da peça, e era natural que assim fosse. É comum a todos os
que estréiam, tendo personificado a sua idéia em uma personagem, concentrar
todo o esforço e trabalho nessa figura principal, de modo a empalidecer as
outras que vão entrelaçadas na ação.
O Sr. Álvares de Araújo
estreou bem. Os aplausos que o receberam devem servir-lhe de animação. Se lhe
faltam as qualidades próprias da experiência e do tempo, sobram-lhe outras, as
principais, as que nascem da intuição, e que são, por assim dizer, o óbulo e a benção que a musa dá ao poeta, para começar a sua
romaria.
Deu este drama
lugar a que aparece um ator que, até aqui, além do papel de escrivão na Torre
em concurso, não se havia podido revelar.
Falo do Sr. Flávio,
a quem coube o papel de André, uma das vítimas do ladrão-barão.
Representou de modo a receber merecidos aplausos.
O Sr. Joaquim
Augusto tem desempenhado com relevo o papel de Gustavo Pereira, hipócrita
brutal.
O papel de Elvira
coube a Sra. Gabriela, cujo elevado e vigoroso talento sabe dar-lhe brilho e realce;
no quarto ato, principalmente, tem merecido vivos aplausos.
O papel do nobre e
sincero Emilio da Veiga deve ao Sr. Amoedo apropriada
interpretação.
8 DE FEVEREIRO DE 1862.
Ao
redator dos “Ecos Marítimos”
Meu caro, — Praz-me
acreditar que, nos longos anos da nossa intima e nunca estremecida amizade,
tenho-te dado sobejas provas de que não costumo subordinar as minhas opiniões
ao interesse ou conveniências, e que, errôneas ou verdadeiras, são-me elas
sempre ditadas pela consciência.
Sabes que não
pertenço ao número desses otimistas que tem sempre nos lábios um elogio e nos
bicos da pena uma justificação para todo ato de poder, somente porque é do
poder.
E, pois, tentando
defender o atual ministro da Marinha de acusação que julgaste dever dirigir-lhe,
faço-o constrangido, é verdade, por achar-me em divergência com um amigo a quem muito prezo, mas sem temor de que me classifiques
entre os turiferarios e amigos
interesseiros de que falaste no teu primeiro artigo.
Nesta contenda
ficaremos colocados em campos opostos, tomaremos mesmo caminhos diversos, mas
como ambos temos o mesmo fim, como ambos visamos ao mesmo norte — a elucidação
da verdade, — espero que nos encontremos, e então, como agora, nós poderemos
apertar as mãos, porque nem tu nem eu teremos de corar.
Não tratando por
enquanto do teu primeiro artigo, porque nele te limitas a formular capítulos de
acusação, que prometes desenvolver mais tarde, ocupar-me-ei com as censuras, que
no segundo fazes ao sistema que se está seguindo no fabrico do vapor Amazonas.
Pensas que
semelhante obra seria mais pronta e economicamente realizada, prorrogando-se as
horas de trabalho, mediante abono de gratificações de sesta aos operários?
“Por este modo, dizes tu, lucraria o governo
que mais cedo teria à sua disposição o Amazonas; lucrariam os operários
que com esse acréscimo de salário proporcionariam às suas
famílias maior soma de bem estar; lucrariam os cofres
públicos,aumentando suas receitas com o aluguel do dique”.
Para admitir estas
conclusões, seria mister conceder-te que a produção do
trabalho durante as 2 horas da sesta é equivalente ao salário de meio
dia, em tais casos abonado como gratificação, o que contesto.
O trabalho ordinário
começa nos nossos arsenais ao nascer do sol e termina às 4 horas da tarde,
apenas com interrupção de ½ hora concedida para o almoço; o extraordinário ou
sesta prolonga-se dessa hora ao anoitecer.
Assim o sistema que
preconizas exige do operário um esforço continuado de 13 horas!
E acreditas que um
homem possa, no nosso clima, e durante a estação calmosa, trabalhar com a mesma
atividade e perfeição por tão dilatado espaço de tempo, exposto aos raios de
sol, que os gigantescos refletores de granito formados pelas paredes do dique,
tornam ainda mais abrasador?
O bom senso te dirá
que não.
Um ou outro
indivíduo, dotado de constituição mais robusta, realizará este supremo esforço
no primeiro ou segundo dia, porém, certamente sucumbirá tentando ultrapassar esse
limite.
Mas me dirá, o meio
que indico tem por si a sanção de inveterada prática!
Nem tudo o que é
velho é bom; e não ignoras que mais de um abuso existe enraizado na nossa
administração pelo emperrado espírito de rotina.
Vês, portanto, que
a adoção do alvitre por ti sugerido, longe de produzir as vantagens que
apontas, prejudicaria os cofres públicos, que teriam de pagar pela obra feita
quantia superior ao seu merecimento; prejudicaria ao serviço naval dando como
pronto um vapor que, pelo mal acabado do seu fabrico, teria mais tarde de
voltar à posição de disponibilidade.
Isto é intuitivo; e
seguramente escapou, porque apenas examinaste a questão por uma face.
O
dique, como bem dizes, não foi construído para cevar os cofres do Tesouro,
porém, para prestar o seu valioso auxílio ao material da nossa armada;
conseguintemente, que importa que os navios neles se demorem mais ou menos
dias, se por este modo executam-se radicalmente os concertos de que carecem?
Precipitação é
antípoda de perfeição.
Se isto não fora um
axioma, citar-te-ia, como exemplo, o vapor Oyapock que, segundo é voz geral, saiu do dique fazendo água.
Passemos ao outro
ponto.
O ministro da
Marinha não se intrometeu em atribuições privativas de outrem nem procurou
exercer pressão sobre o espírito dos peritos do arsenal, no intuito de
arrancar-lhes opinião favorável ao vapor Princesa de Joinville; sua
intervenção neste negócio foi estritamente legal e ditada pelos preceitos da
prudência e de justiça.
A companhia dos
paquetes, como é de praxe, requereu que esse navio fosse vistoriado; mas,
empregando as restrições mentais em que é vezeira,
não falou do casco, porém simplesmente da máquina; e os peritos, que sabem ser
aquele o ponto vulnerável, lavraram o seu parecer em termos genéricos
declarando que haveria imprudência em arriscar o vapor em uma viagem no oceano.
Frustrada a
estratégia, voltou à companhia requerendo que se discriminassem os quesitos que
tinham servido de base ao juízo da comissão; ao que, como era de seu dever,
deferiu o ministro. Eis quanto pela marinha se fez negócio; o mais pertence ao
ministério das Obras Públicas.
A meu ver, fora
melhor ter-se negado à companhia permissão para fazer seguir semelhante vapor
aos portos do norte; porém, como foi ela limitada pela proibição de conduzir
passageiros, acautelando-se por essa forma a segurança do público, qualquer
desastre superveniente apenas alcançará a tripulação e companhias de seguro,
que só terão o direito de queixar-se de sua imprudência, visto que perfeitamente
conhecem os riscos que vão correr.
Não posso, todavia
deixar de notar que a companhia, anunciando a saída do Joinville, calasse tão importante circunstância!
Dadas estas
explicações, consentirás que te faça um pedido.
Acredita-me, amigo,
abre mão de pequenas polêmicas de que não poderás tirar glória, não malbarates
em pouquidades o talento que Deus te concedeu;
volta-te para os grandes interesses do país, disseca as profundas chagas que
corroem o nosso corpo social, põe a descoberto a
podridão desses cancros que, sob o nome de companhias, absorvem o melhor dos
nossos recursos; e protesto-te que nesse terreno, não tendo forças para
acompanhar-te, pelo menos te aplaudirá o sincero amigo.
Machado
de Assis.
2 DE MARÇO DE 1862.
Haabás, drama do Sr. R.
A. de Oliveira Menezes. – Ensaios
literários, do Sr. Ignácio de Azevedo. – Almanaque administrativo, mercantil e industrial, do Maranhão. – O terreno de Mendoza. Drama lírico do
major Taunay. – O carnaval.
Tenho à vista dois
livros oriundos da academia de São Paulo. A sua publicação não data da semana
que findou ontem, mas data de poucos dias o conhecimento que tenho deles. Não
me foi preciso demorada leitura para avaliá-los; de relance se lhes pôde ver a
importância e o alcance, ainda mesmo quando não há fundo de erudição que dê a
uma apoucada inteligência foral do juiz.
O Sr. Rodrigo
Antonio de Oliveira Menezes escreveu um drama em um prólogo e dois atos que
intitulou Haabás. É um livro tosco pela forma
e brilhante pelo fundo; é uma bela idéia mal afeiçoada e mal
enunciada, o que não tira ao livro certo mérito que é forçoso
reconhecer!
Haabás é um escravo que
mata o feitor em um desforço de honra por haver-lhe aquele seduzido a mulher. É
perseguido por este motivo. Seu senhor é implacável. Haabás consegue escapar. Entretanto, apanha uma criança, fruto de amor criminoso de
sua senhora moça, leva-a consigo fá-la educar, até
entregá-la a seus pais vinte anos depois.
Tal é, em poucas
palavras, a trama de Haabás. O autor
fundou o seu drama sobre duas idéias, ou antes, sobre dois fatos: primeiro, a
condição precária dos cativos; depois, a generosidade que pôde existir nessas
almas, que Herculano diria atadas a cadáveres.
O intento foi
nobre, e não lhe diminui o alcance moral a rusticidade da forma; mais cuidado e
mais conhecimento das regras dramáticas, Haabás seria então uma bela realidade, não passando, como está, de uma generosa intenção.
A ação não se acha
desenvolvida; a travação das cenas é irregular; estas parecem antes os trechos
restantes de uma tradição, acumulados para base de uma obra que não foi
escrita, e que a outro caberá desenvolver.
Por mim, quisera
antes que o autor a desenvolvesse; que importa existir já esta tentativa? Tome
o seu pensamento e trate de ampliá-lo; escreva um drama, ou mesmo um romance,
sobre a larga base que desaproveitou com aquela frágil e acanhada construção.
O que lhe faltaria
para isto? Linguagem, não; a de Haabás, se
não é de pureza exemplar acusa raras qualidades que a prática desenvolverá.
E nessa nova
composição apareceria de certo aquela 2.ª cena do 2.°
ato, delicioso idílio, escrito com arte e espontânea suavidade. Nem faltariam
expressões felizes, como muitas das que ornam as páginas desta tentativa.
Não creio que, no
que levo dito, me pareça com o empertigado crítico que visitou o autor em
sonhos, como ele conta espirituosamente no prólogo.
Uma coisa que ele
não lhe reconheceu, e que eu julgo dever mencionar, tanto mais quanto se eu o
não fizesse, Haabás encarregar-se-ia de
fazê-lo, é que possui um belo talento e que poderá com vantagem aplicar-se ao
teatro para honra da literatura nacional.
***
Passo agora aos Ensaios
literários do Sr. Ignácio de Azevedo. O Sr. Ignácio de Azevedo é irmão
daquele autor dos Boêmios e de Pedro Ivo, cuja perda choramos ainda hoje.
É talvez a esta
consangüinidade, além da assistência na academia, onde Álvares de Azevedo
deixou imitadores, que se deve a cor sombria e fantástica que o autor procurou
dar a quase todas as páginas deste livro.
O Sr. Ignácio de
Azevedo é uma inteligência a formar-se; participa dos defeitos do que se chamou escola azevediana, sem todavia empregar nos seus escritos os toques superiores que o estudo
mais tarde lhe há de dar. As almas na eternidade é uma revista de
espíritos, uma imprecação minuciosa de alcance secundário.
Os contos revelam
imaginação, mas estão em alguns pontos descarnados de mais, e se o autor me
permite individuar, lembro-lhe, entre outros exemplos, aquela página 98.
***
Com a imaginação e
a inteligência que tem, o Sr. Ignácio de Azevedo deve procurar no estudo e na
reflexão as qualidades indispensáveis de escritor, e estou certo que da vontade
e do cabedal que possui nascerão obras de mais significação literária que os Ensaios.
Não riam as
imaginações poéticas e as almas seráficas se passo a falar de um almanaque, e menos me acusem de lisonjear os utilitários. Em geral, um
almanaque é um livro importante, mas este de que vou falar tem ainda outro
valor; por isso descansem que não me ocuparei com a exatidão e divisão da
estatística, nem com outras matérias próprias destas obras.
O almanaque
administrativo, mercantil e industrial para 1862, do Maranhão, entra agora
no seu 5.° ano.
Como é natural em
obras de utilidade geral, a publicação vai tomando maiores e mais sérias
proporções. Fecha-se o deste ano com alguns artigos relativos à lavoura e uma
das brasilianas do Sr. Porto-alegre.
O primeiro daqueles
artigos é uma página bem lançada, escrita com reflexão e proficiência, na qual
se demonstra a necessidade de pôr termo à rotina que impede o desenvolvimento
da agricultura. Aconselha o escritor aos lavradores que, em bem de tornar a
lavoura outra coisa que não é, façam dar a seus filhos uma educação agrícola
nas escolas européias. Enunciando este conselho, o escritor passa a examinar a
conveniência oferecida por cada um dos países onde se podem ir buscar esses
estudos, e decide-se pela escola de Grignon,
na França, cujas condições oferecem mais vantagens e melhores esperanças de
resultado.
Acompanham este artigo
diversas transcrições relativas ao mesmo assunto, e por fim a brasiliana, do
Sr. Porto-alegre, Destruição das matas. A raridade da edição das Brasilianas, e o grande mérito da composição do nosso épico, tornam mais importante a inserção destes versos no Almanaque do Maranhão.
***
Está ainda fresca
na memória, pela proximidade do acontecimento, a terrível catástrofe que
destruiu a cidade de Mendoza. Entre os que foram
salvos do terremoto notam-se Mr. Teisseire e sua filha de quatro anos que se acham nesta capital. Mr. Teisseire era um antigo tenor de Paris que se havia
estabelecido naquela cidade. A catástrofe sucedeu quando ele começava a
construir uma pequena fortuna.
Veio esta menção
para anunciar a publicação de um drama lírico fundado sobre o episódio da
catástrofe relativo àquelas duas ressurreições e que traz o nome do major
Taunay.
Esta composição é
destinada a favorecer a Mr. Teisseire e sua
filha, restos de uma família numerosa que pereceu na destruição de Mendoza.
Esse é o seu
principal mérito; a obra não é notável, mas o autor aproveitou nela o que podia
aproveitar do fato a que aludiu.
E com isto deixo o
leitor, que arderá por ir tomar parte na folgança destes três dias, a não ser
que, como eu, olhe para estas coisas de mascarados como uma distração muito
vulgar. Em verdade, será preciso esperar o carnaval para ver mascarados? Há
muita gente que, apenas o Sr. Laemmert publica as
suas folhinhas, corre a ver em que época é o carnaval. Essa gente é de
patriarcal simplicidade. O carnaval desta terra é constante, e é a política que
nos oferece o espetáculo de um continuo disfarce e dansatriz farofia, como dizia Filinto.
Se pensas como eu,
ó serio leitor, limita-te a ver passar os que se divertem, e vai depois
entreter o resto da noite com a leitura do livro que imortalizou Erasmo.
24 DE MARÇO DE
1862.
O dia
25 de Março. — A revolução. — Toleima ou esperteza? —
Os gansos. — Sá de Miranda. — A
pólvora. — Publicações literárias. Biblioteca
Brasileira e o Futuro. — Publicação
política, o Jornal do Povo.
É amanhã a
inauguração da memória do Rocio. É também amanhã o aniversário da proclamação
da nossa carta política. Por ultimo, na opinião do ministério, é amanhã a realização
de uma revolta popular, preparada pelos chefes liberais à bem de se apossarem
do governo.
Nada direi do
aniversário que festejamos, mesmo por não entrar na apreciação dos atos
pecaminosos que hão desvirtuado o nosso código político. Não me autorizarei
mesmo de uma circunstância que alguém notou, a de
estar a figura do primeiro imperador, que hoje se há de descobrir, com a
constituição estendida para o lado do teatro, querendo daí concluir o malévolo
que o pacto fundamental é uma comédia.
Tão pouco me
ocuparei com a estátua que se vai inaugurar.
Fora preciso
recorrer aos fastos da história e cotejar atos e apreciações, talvez em
detrimento de opinião aceita, e por mal das constituições públicas e solenes,
que o sol da manhã vai presenciar.
Já não pratico
assim com o boato da revolução. Devo investigar se o ministério com estas
precauções que toma, e com estes boatos que assoalha, tende à parvoíce ou à
esperteza. É difícil o problema. Existem ambos os elementos no gabinete, e
decidir qual deles prepondera na questão, é um trabalho de minuciosa análise.
Por onde
descobriria o ministério que o dia 25 seria ensangüentado pelos dentes do tigre
popular? Onde encontrou sintomas denunciantes? Na imprensa? Não. Nunca ela foi
mais moderada, nem mais sóbria no apontar os erros administrativos.
Nenhuma doutrina
que cheire a subversão tem sido alardeada e proclamada nas folhas liberais. Nos
clubes? Onde existem eles? Onde se reúnem? Ninguém os conhece. O ministério
compreende bem que uma revolução, no sentido literal da palavra, pede o
concurso da maioria, e que esse concurso não deve ser eventual e filho do
momento.
Pouco depois das
eleições o ministro do império do gabinete Ferraz exigiu mudança de política de
reação, em vista da situação que, na opinião dele, tendia à anarquia. Esta
exigência, que era simplesmente uma pose do ministro novato, tinha uma razão de
ser; acabava-se de uma eleição altamente pleiteada, e o nobre ministro, depois
do que havia presenciado, concluiu que o país estava fora dos eixos. Aproveitou
a circunstância e quis fazer figura. E fez.
Hoje, porém, que a
situação está calma, ou para me servir do vocabulário do Sr. Ministro da Marinha está em calmaria podre, será admissível, sem querer passar
por tolo, a suspeita de uma revolução?
Não suponho que o
ministério ande de boa fé nestes sustos e temores de revolução; creio em outros
motivos menos inocentes, mas por ventura menos humilhantes.
Reza a história de
uns gansos que salvaram por seus grasnos a integridade da cidade eterna. Também vigiam gansos o nosso Capitólio? Mas estes, cansados
há tanto de espreitar, sem nada verem chegar, e querendo a todo custo dar
testemunho de sua vigilância, gritam um belo dia por socorro e clamam pela
salvação de Roma. Mas Roma está tranqüila, nenhum inimigo lhe assoma às portas;
César dorme tranqüilo no afeto e na dedicação da cidade-rainha. Nada
acontecerá, mas a suspeita pôde ficar para o futuro, e os gansos terão feito
uns bonitos papéis.
Que tal? O meio é
seguro para ganhar conceito em ânimos augustos. É assim que estes piolhos se
metem pelas costuras. Mas os príncipes devem ser versados e sabedores das
coisas passadas. Foi a respeito desses tais enliçadores que Sá de Miranda escreveu estes versos na sua carta a D. João III:
Senhor, hei-vos de falar
(Vossa
mansidão me esforça)
Claro
o que posso alcançar;
Andam
para vos tomar
Por
manhas, que não por força.
Alguns fatos
poderiam demover-me da opinião em que estou de que o ministério quer provar amores
assoalhando calculadas fantasias. Tal é, por exemplo, o da apreensão de alguns
barris de pólvora em várias casas.
Mas a Atualidade explica a origem desta apreensão que tanto alarma causou, e com as quais
quer o ministério afetar que descobriu os conspiradores. Foi apenas uma
denúncia de proprietário incomodado pela vizinhança de fabricantes de fósforos.
Demais, fazem-se
durante o ano tantas apreensões de pólvora, que estas não devem por modo
merecer o mais leve reparo.
Insisto na minha
apreciação; o ministério estéril, tacanho, ramerraneiro,
como é, busca a confiança imperial na prevenção de
revoltas imaginárias.
E o jogo é bonito e
fino. Passando, como há de passar, o dia 25 sem demonstração alguma, é ao
terror das medidas anteriormente tomadas que se atribuirá a tranqüilidade da
festa.
Voltemos, porém, de
rumo.
Deixemos de vez
essas demências políticas que, por justo título, fazem do nosso país a fábula
dos folhetinistas do resto do mundo.
Outra parte nos
chama, amigo leitor, a da mocidade estudiosa, trabalhadeira, esperança de
melhor futuro.
Pode dizer-se que o
nosso movimento literário é dos mais insignificantes possíveis. Poucos livros
se publicam e ainda menos se lêem. Aprecia-se muito a leitura superficial e palhenta, do mal travado e bem acidentado romance, mas não
passa daí o pecúlio literário do povo.
É no meio desta
situação que se anunciam duas publicações literárias: Biblioteca Brasileira,
publicação mensal de um volume de literatura ou de ciência, de autores
nacionais, e o Futuro, revista quinzenal e redigida por brasileiros e
portugueses.
Vamos por partes. A Biblioteca é dirigida por uma associação de homens de letras. Tem por
fim dar publicidade a todas as obras inéditas de autores nacionais e difundir
por este modo a instrução literária que falta à máxima parte dos leitores.
Como se vê, serve
ela a dois interesses: ao dos autores, a quem dá a mão, garantindo como base da
publicação de suas obras uma circulação forçada; e ao do público, a quem dá,
por módica retribuição, a posse de um bom livro cada mês.
Com tais bases, não
há negar que entra nesta instituição de envolta com o sentimento literário
muito sentimento patriótico. Em que pese aos que fazem limitar a pátria pelo
horizonte das suas aspirações pessoais, é assim. E são destes serviços ao país
que mais fecundam no futuro.
Esclarecer o
espírito do povo de modo a fazer idéias e convicções disso que ainda lhe não
passa de instintos, é, por assim dizer, formar o povo.
Do esforço individual
e coletivo dos que se dão ao cultivo das letras é que nascerão esses resultados
necessários. O piano da Biblioteca Brasileira, cômodo e simples, oferece
um bom caminho para ir ter aos desejados fins, e é já um auxiliar valente de
idéias que se põe em campo.
O Futuro,
revista que aparecerá cada quinzena, é mais um laço de união entre a nação
brasileira e a nação portuguesa. Muitas razões pedem esta intimidade entre dois
povos, que, esquecendo passadas e fatais divergências, só podem, só devem ter um desejo, o de engrandecer a língua que falam, e
que muitos engenhos têm honrado.
O Futuro, concebido
sobre uma larga base, é uma publicação séria e porventura será duradoura. Tem
elementos para isso. A natureza dos escritos que requer um folheto de trinta
páginas, publicado cada quinzena, muitos dos nomes que se me diz farão parte da
redação, entre os quais figura o do velho mestre Herculano, e a inteligência
diretora e proprietária da publicação, o filho direto do autor do Bilhar, F.
X. de Novaes, dão ao Futuro um caráter de
viabilidade e duração.
Este abraço
literário virá confirmar o abraço político das duas nações. Não é por certo no
campo da inteligência que se devem consagrar essas divisões que são repelidas
hoje.
Os destinos da
língua portuguesa figuram-se brilhantes; não individuemos os esforços; o
princípio social de que a união faz a força é também uma verdade nos domínios
intelectuais e deve ser a divisa das duas literaturas.
Para 7 de abril anuncia-se a publicação de um jornal político que
terá por titulo Jornal do Povo.
É redigido por dois
talentos jovens, mas que já fizeram as suas primeiras armas nesta liça da
imprensa. O Jornal do Povo não representa escola alguma, não acompanha
princípios estatuídos de nenhuma parcialidade política. É simplesmente um
jornal consagrado a doutrinar o povo e a pugnar pelos interesses dele.
Sendo assim o Jornal
do Povo será logicamente conduzido a pôr-se ao lado liberal que corresponde
imediatamente às aspirações populares.
E o concurso dele
será tanto mais valioso quanto que não pode haver dúvida sobre as opiniões
liberais de seus redatores.
1 DE ABRIL DE 1862.
Inauguração
da estatua. — O adjetivo e a imprensa oficial. — Substantivos sem adjetivos. —
Tranqüilidade pública. — Jantar em honra da estátua.
Está inaugurada a
estatua eqüestre do primeiro imperador.
Os que a consideram
como saldo de uma dívida nacional nadam hoje em júbilo e satisfação.
Os
que, inquirindo a história, negam a esse bronze o caráter de uma legitima memória, filha da
vontade nacional e do dever da posteridade, esses se reconhecem vencidos, e,
como o filósofo antigo, querem apanhar, mas serem ouvidos.
Já é de mau agouro,
se à ereção de um monumento que se diz derivar dos desejos unânimes do país
precedeu uma discussão renhida, acompanhada de adesões e aplausos. O
historiador futuro que quiser tirar dos debates da imprensa os elementos do seu
estudo da história do império, há de vacilar sobre a expressão da memória que
hoje domina a praça do Rocio.
A imprensa oficial,
que parece haver arrematado para si toda a honestidade política, e que não
consente aos cidadãos a discussão de uma obra que se levanta em nome da nação,
caluniou a seu modo as intenções da imprensa oposicionista.
Mas o país sabe o
que valem as arengas pagas das colunas anônimas do Jornal do Comércio.
O que é fato, é que
a estátua se inaugurou e o bronze lá se acha no Rocio, com uma pirâmide de
época civilizada, desafiando a ira dos tempos.
O Rocio vestia
anteontem galas e louçanias desusadas.
As ruas por onde
passou o préstito estavam ornadas de bandeiras e colchas, e juncadas de folhas
odoríferas, segundo as exigências oficiais.
Mas sabe o leitor
quem teve grande influência nas festas de anteontem? O adjetivo. Não ria, leitor, o adjetivo é uma grande força e um grande
elemento! E ninguém melhor que os publicistas do Jornal
do Comércio compreendem o valor que ele tem, e nem o emprega melhor.
Foi o adjetivo quem
fez as despesas das arengas escritas anteriormente em defesa da estátua. Na
apoteose, o adjetivo serviu de óleo cheiroso com que se incensou todas as virtudes duvidosas. Na censura, o adjetivo foi, por assim dizer, o
suco venenoso com que aqueles bugres ungiram a ponta das suas flechas.
Bem empregado, com
jeito e a tempo, como do ferro aconselha o poeta para tornar mezinha, o
adjetivo fez nos artigos ministeriais um grande papel. Veja o leitor como esta
palavra – imortal – veio sempre em auxílio de um substantivo desamparado de
importância intrínseca. Se, por cansado, não podia ele aparecer mais vezes, lá
vinha um ínclito, lá vinha um magnânimo, lá vinha um substantivo augusto.
E outros e outros da mesma valia e peso.
Os artigos
ministeriais reduzidos a verso podiam figurar entre as produções da Arcádia, do
Caldas, sem quebra nem descor.
Não ria o leitor
demasiado sério da importância destas considerações. Desconhecer o adjetivo
monta o mesmo que desconhecer a luz.
O adjetivo foi
introduzido nas línguas como uma imagem antecipada dos títulos honoríficos com que
a civilização devia envergonhar os peitos nus e os nomes singelos dos heróis
antigos.
Exemplo: um homem
que usa do nome recebido na pia, é um substantivo. Se
esse homem passa a ter uma adição honorífica fica sendo um substantivo e um
adjetivo.
A festa de
anteontem deixou muitos substantivos de boca aberta. Contava-se que muitos
adjetivos chovessem. Mas houve só um.
E os substantivos
desconsolados tiveram de ver-se desajetivados, com a
esperança de uma adjetivação para mais tarde.
Oh! Dor!
É o mesmo que
acontece às moças, que são substantivos, e andam à procura de maridos que são adjetivos. Para algumas passam os dias, os meses, os
anos, sem que Himeneu, o grande escritor, venha ligar aquelas duas partes distanciadas.
E assim em muitas
outras coisas da vida humana.
A festa não foi
perturbada por nenhum movimento ainda o mais individual e alheio aos motivos
propalados. Os sustos do ministério tiveram bem positivo desmentido diante da
placidez com que este povo assistiu à inauguração da estátua.
Diante de algumas
coragens, levantadas nestes dias de abatimento, fizeram crer que se tramava
contra a ordem social. Não sei bem se isto é ridículo ou imoral. Em todo caso é
uma dessas calúnias com que se vão servindo para os seus acatamentos e
bajulações.
Diante da festa
inaugural que outro fato poderá vir tomar parte nestes comentários? Não sei de
nenhum. A festa encheu todo o tempo e todos os espíritos.
Continuou ela ontem
e termina hoje. Tem o povo com que regalar-se. E bom é quando lhe concedem à
farta a segunda parte da exigência do povo romano.
É verdade que
também não se lhes nega a primeira. Anuncia-se para hoje um grande jantar no
salão do teatro lírico, para o qual são convidadas as pessoas de todas as
classes que concordam com as arengas da folha oficial, a bem de concluir a
festa pelos prazeres da boca.
Mas nem isto
defenderá melhor a idéia.
Os jantares
pertencem ao número das coisas mais transitórias que é dado ao homem encontrar.
Ao meu leitor, se lá
for, peço um brinde em desconto do desalinho destes comentários.
5 DE MAIO DE 1862.
Cavaco
– o que vai a câmara fazer? – Uns versos.
Era um dia ...
Não vou bem. Este
exórdio dá ares de história de criança, dessas que eu ouvia à ama, nos tempos
que lá vão, quando não me lembrava de fazer comentários, e nem de ser lido
pelos leitores do Diário, no pressuposto de que sou lido.
O que queria dizer,
e que tão mal encabecei, era que havia há tempos uma revista semanal que eu
publicava mais ou menos regularmente, comentando inocentemente as ocorrências
notáveis de cada semana.
Motivo que não
entram no domínio do público interromperam por longas semanas a publicação dos Comentários que de novo tomo e por cuja regularidade respondo.
Não será por falta
de matéria que eu deixe de comunicar todas as segundas-feiras ao meu leitor a
opinião que formar acerca das ocorrências da semana anterior.
Abrangendo o
escrito, por sua natureza, muitos fatos e muitas esferas, à
política cabe a parte principal, atenta à gravidade da situação e das
questões a ventilar.
Em um país onde as
censuras da imprensa oposicionista se respondem com a personalidade, não é por
certo fora das câmaras que a vida política se pode manifestar. Mas as câmaras
se abriram. O país por meio de seus órgãos vai perguntar ao governo o que há
feito na ausência do corpo legislativo, de que questões
tratou, que problema resolveu, se tem planos financeiros estudados e
formulados; até onde lança as suas vistas políticas e administrativas.
Por sua vez o corpo
legislativo é chamado a contribuir por si para que se defina esta situação
confusa, marasmática, sem cor, nem alcance.
Este trabalho é
longo e pede o concurso do patriotismo. É questão de ser ou não ser. Cabe às
câmaras provar que o gabinete por inepto não pôde continuar na gerência do
país, e que não é para fazer um regulamento de condecorações e outras ridicularidades que se põem sete homens a testa da
governança de um império.
Não é assim de um assalto
que se tomam graves e importantes funções. A glória tem seus percalços e é
preciso ganhá-la à custa de vigílias e estudos, e não (passem-me pela frase que
é de boa laia e adequada) e não à barba longa.
Se o exame do corpo
legislativo não for profundo e patriótico, renunciemos à esperança de termos um
país e um governo, porque com ministérios tais, não há país que prospere, nem
situação que resista.
É diante de tais
deveres, mais urgentes agora, que o corpo legislativo se abriu.
Isto quanto à parte
política, e como vê o meu leitor, é vasto e farto o campo, se for olhado do seu
verdadeiro ponto de vista.
Não falta onde se
vá buscar matéria para comentário, e além das ocorrências acidentais e
imprevistas, há muito onde ceifar à larga, se me permitem esta expressão roída
pelo uso.
Estas linhas que aí
deixo não deviam vir encabeçadas pelo título que lhes pus, porque na realidade
de nada da semana me ocupo. Isto é uma espécie de prefácio, uma como oração de
romeiro que se dispõe a atravessar o deserto depois de uma estação.
Alá me seja
propício e arrede da minha cabeça e da minha caravana os flagelos do tempo e o
encontro dos beduínos.
Ponho fecho a estas
linhas com a transcrição de uma carta e de uma poesia que me enviou um cultor
das musas:
“Meu amigo, —
Abandonado no caminho da vida com o coração vazio das louras crenças que nos
povoam a alma, quando o céu é para nós todo de um azul sem nuvens e o horizonte
dessa cor de rosa de que vestimos todas as aspirações do espírito, apraz-me ás
vezes em trazer à memória os dias do meu passado, desse passado que vi cair na
imensidão do nada, como essas centelhas de luz que morrem na escuridão das trevas.
“E' triste este
viver assim, quando ainda em meia vida, o espírito cansado se volve ao passado
procurando embeber-se dele, porque o futuro está morto, ou pelo menos despido
de todas as ilusões da juventude!”
Em um desses
momentos atirei sobre o papel estas linhas que te envio . . .
Ei-las
Amei na aurora da
vida,
E morro da vida em
flor,
É sempre assim a
existência:
Ao riso sucede a
dor.
Desfolhei rosas sem
conta,
Perfumes
mil respirei;
E nessa luta de
afetos
Nem um sincero encontrei
Minha alma descreu
de tudo,
Dos sonhos de que
viveu,
Centelha de luz
perdida,
Suspiro que além
morreu!
Bethencout da Silva.