Carta à Redação da Imprensa Acadêmica
Texto-fonte:
Obra Completa, Machado de Assis,
Rio de Janeiro: Nova Aguilar, V.III, 1994.
Publicado originalmente na Imprensa
acadêmica, Rio de Janeiro, 28/08/1864.
Corte,
21 ago. 1864.
Meus
bons amigos: — Um cantinho em vosso jornal para responder duas palavras ao Sr.
Sílvio-Silvis, folhetinista do Correio Paulistano, a respeito da minha
comédia o Caminho da Porta.
Não
é uma questão da susceptibilidade literária, é uma questão de probidade.
Está
longe de mim a intenção de estranhar a liberdade da crítica, e ainda menos a de
atribuir à minha comédia um merecimento de tal ordem que se lhe não possam
fazer duas observações. Pelo contrário eu não ligo ao Caminho da Porta outro valor mais que o de um trabalho rapidamente escrito, como um ensaio para
entrar no teatro.
Sendo
assim, não me proponho a provar que haja na minha comédia — verdade, razão e
sentimento, cumprindo-me apenas declarar que eu não tive em vista comover
os espectadores, como não pretendeu fazê-lo, salva a comparação, o autor da Escola
das Mulheres.
Tampouco
me ocuparei com a deplorável confusão que o Sr. Sílvio-Silvis faz entre a verdade e a verossimilhança; dizendo: "Verdade não tem a peça que até é
inverossímil." — Boileau, autor de uma arte poética que eu recomendo à
atenção do Sílvio-Silvis, escreveu esta regra: Le vrai peut quelquefois
n'être pas vraisemblable.
O
que me obriga a tomar a pena é a insinuação do furto literário, que me
parece fazer o Sr. Sílvio-Silvis, censura séria que não pode ser feita sem que
se aduzam provas. Que a minha peça tenha uma fisionomia comum a muitas outras
do mesmo gênero, e que, sob este ponto de vista, não possa pretender uma
originalidade perfeita, isso acredito eu; mas que eu tenha copiado e assinado
uma obra alheia, eis o que eu contesto e nego redondamente.
Se,
por efeito de uma nova confusão, tão deplorável como a outra, o Sr.
Sílvio-Silvis chama furto à circunstância a que aludi acima, fica o dito por
não dito, sem que eu agradeça a novidade. Quintino Bocaiúva, com a sua frase
culta e elevada, já me havia escrito: "As tuas duas peças, modeladas ao
gosto dos provérbios franceses, não revelam mais do que a maravilhosa
aptidão do teu espírito, a própria riqueza do teu estilo." E em outro
lugar: "O que te peço é que apresentes neste mesmo gênero algum trabalho
mais sério, mais novo, mais original, mais completo.”
É
de crer que o Sr. Sílvio-Silvis se explique cabalmente no próximo folhetim.
Se
eu insisto nesta exigência não é para me justificar perante os meus amigos,
pessoais ou literários, porque esses, com certeza, julgam-me incapaz de
uma má ação literária. Não é também para desarmar alguns inimigos que tenha
aqui, apesar de muito obscuro, porque eu me importo mediocremente com o juízo
desses senhores.
Insisto em consideração ao público em geral.
Não
terminarei sem deixar consignado todo o meu reconhecimento pelo agasalho que a
minha peça obteve da parte dos distintos acadêmicos e do público
paulistano. Folgo de ver nos aplausos dos primeiros uma animação
dos soldados da pena aos ensaios do recruta inexperiente.
Nesse
conceito de aplausos lisonjeia-me ver figurar a Imprensa Acadêmica e,
com ela, um dos seus mais amenos e talentosos folhetinistas.
Reitero,
meus bons amigos, os protestos da minha estima e admiração.
Machado de Assis.